Capítulo 37 - Um arrependimento irreversível

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Meu corpo é sacudido para as laterais, para o alto e perturba meu sossego conforme a carruagem cruza ruas esburacadas de terra. O Crann Bethadh parece do tamanho de uma casa das favelas a essa distância, pequeno feito uma caixa de fósforo.

Frequentei o castelo por diversos meses e nunca o conheci inteiramente. A majestosidade de Kildare fica para trás, em uma calmaria que encobre todo o caos lá dentro. De fora é encantador. Havia me esquecido da sua beleza, com as casas organizadas, em perfeita harmonia com a natureza colorida, o tom primaveril todos os dias, mesmo no início do inverno, e o Crann Bethadh no centro de todo esse espetáculo de luxo e limpeza. Este é o maior e melhor condado de Danann, com pequenas extensões que recebem outros nomes, e raros são os humanos que terão a oportunidade de sequer olhar para o castelo real de longe, quanto mais entrar nele.

Eu demoro para digerir que já conversei com o novo dono de tudo isso. Não só dialoguei como fui beijada por ele. É grande demais para minha compreensão, e talvez não só humanos se assustem com a imensidão do poder de um rei. Nem mesmo os druidas podem entender, se estão sempre dentro desta bolha reservadas a eles, e quase nenhum olha sua totalidade da forma como estou fazendo.

O rapaz ingênuo e cansado de formalidades que eu conheci num porão agora é rei de Danann. O mesmo que eu acertei sete disparos e rezei para nunca ter a infelicidade de rever. Se antes nossa proximidade era um perigo iminente a mim, atualmente tenho minhas dúvidas se ele não irá voltar atrás com sua promessa e mandar que me tragam de volta, ou apenas me matem onde eu estiver. Não faltam motivos a Dother para cobiçar minha morte. A coroa está na sua cabeça por minha culpa.

Danu tem seus favoritos, e definitivamente não faço parte deles.

— Quem está aí? — Eu bato no vidro frontal da carruagem, tapado para que eu não veja o condutor da carruagem.

Sem resposta, de novo, volto a me sentar — e me cobrir com meus vestidos —, apenas para sentir que estão me chutando com toda a tremulação da carruagem. Por mais que tenha suportado por horas consecutivas, minha cabeça pende para o lado e eu adormeço em questão de segundos. É como se meu corpo estivesse esperando uma brecha para me obrigar a descansar, em um sono profundo, isento de sonhos, sem pensamentos e tendo um tempo livre para me desfazer de tudo o que esteve me agoniando.

Minha consciência retorna assim que alguma parte dela se recorda de Dian. Os olhos abrem de súbito e eu o procuro, só para ter a visão de uma estrada inóspita, sem uma construção por perto e rodeada pela floresta densa, repleta de sons de coruja e outros irreconhecíveis. Não sei por quanto tempo dormi, mas sei que já estou longe demais da Imundice, de Dian, e do pouco que construí.

Me arrependo de não ter lutado contra a sua vontade. Permiti que Dian tomasse uma escolha por ainda ser idiota de confiar nele e na possibilidade de que ele irá se defender sozinho. Não vai. Eu o conheço o bastante para saber que está esperando Dother vir se livrar dele.

Tudo o que eu fiz durante esses meses foi me recolher em um casulo para me proteger de criaturas que podem me matar com facilidade. Meu foco absoluto era na sobrevivência. O conhecimento, a cultura, tudo a respeito de druidas eu usei somente para me resguardar, mas não usufruí dos benefícios. Como ferreira eu era um peão de valor. Como lady eu era um peão com nome, e foi minha culpa ter desabado na zona de conforto.

Conhecimento te faz ganhar uma vida, sabedoria ajuda a construir uma. Se comer migalhas e não procurar o pão inteiro, morrerá pelas migalhas. Foi o que Redmond me disse no último dia em que fui à escola. Eu só usei do ralo conhecimento que adquiri. Lutei pelas migalhas, independente se estive morando em uma mansão, frequentando lojas luxuosas, ganhando jóias, conhecendo o próprio rei e sendo uma lady, ainda fui medíocre e vivi meses em uma ignorância viciante.

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora