Capítulo 26 - A proposta de um jogo

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Quando Dian para de andar, suponho que seja porque chegamos à casa no meio das árvores que ele mencionou, porém não há nada ao redor. A floresta nos envolve, soturna, desprovida de vida e repulsiva. Nessa hora está escurecendo, passado das seis da noite, pois o sino que toca no Crann Bethadh é diariamente pontual.

— Não há casa alguma — constato, e gentileza é a última coisa que demonstro. Estou impaciente. — Você não cansa de me fazer de idiota?

Minha expressão pode estar inalterada por conta do cansaço e estresse, porém cada músculo do meu corpo se mantém rígido, dispostos, independente de quem seja, e a alma preenchida pela desconfiança amarga que não é correspondida.

— Eu sinto tanta pena daqueles lords medíocres que te fizeram propostas ontem. São tão imbecis por acreditarem que você seria uma esposa comportada, rasa e moldável como aparenta. É cômico que tenham me lançado olhares de triunfo ao decorrer da festa, sendo que eu nem sou o verdadeiro desafio que enfrentariam. — Dian se aproxima de mim e retruca à altura, mantendo o nariz empinado e sem tirar o sorriso pretensioso do rosto. — Mas respondendo à sua questão: é óbvio que não me canso. Como seria capaz? Sua cara de indignação tem um valor indeterminável para mim, exatamente como está agora.

O final da sua frase faz o meu semblante enrijecer ainda mais e, antes que eu possa responder, Dian dá as costas para mim, rindo feito uma criança despreocupada. Não demora para ele dar três passos, arrastar o pé por cima da terra e acertar uma superfície de metal. Há um alçapão redondo ali. Eu volto meu olhar para a sua direção e noto que minhas ações foram previsíveis, pois ele está me aguardando de braços cruzados.

— Aqui está, Lady Arisca — zomba, não sei se verdadeiramente ofendido pela forma como eu o tratei. — Apenas não me recordava onde ficava a entrada.

Nem nos sonhos mais desconexos eu poderia imaginar que a tal casa se trata de uma espécie de búnquer. A razão para não encontrarem Dian nos seus retiros foi porque ninguém pensou em olhar para baixo, o que deveria fazer nenhuma diferença, quando os druidas scelaiges são especialistas da investigação e contam com o apoio da natureza para localizar qualquer um, o que não foi o caso deste búnquer.

Dian desce as escadas de concreto e estreitas, habituado ao local e sem se importar com a escuridão lá embaixo. Seus passos começam a ecoar e se distanciar de mim, até cessarem completamente.

— Dian? — chamo, e só agora percebo como seu nome soa estranho sendo dito por mim, ouvindo a minha voz pronunciar.

— Não se mova — ordena ele. Está tão longe que escuto graças ao eco.

Eu paro no terceiro degrau, com metade do corpo para dentro do abrigo subterrâneo e outra metade ainda vendo os arredores cada vez mais obscuros e solitários da floresta morta. Não é das sensações mais agradáveis começar a ouvir os uivos na distância, e vez ou outra corujas sobrevoando o espaço abandonado pela própria natureza. Minha contemplação desprazerosa do exterior só termina com Dian liberando a minha descida, assim que pequenos prismas de luz nos cantos das paredes se iluminam ritmicamente de onde estou até lá em baixo, revelando todo o caminho até uma porta que se assemelha a um cofre.

Puxo a porta do búnquer e a travo. No fim das escadas, paro logo atrás de Dian, um degrau acima dele e aguardo, assistindo por cima do seu ombro ele colocar várias opções do molho de chaves e tentando uma por uma. Eu fico na ponta dos pés para enxergar e evito me apoiar nos seus ombros para não o atrapalhar — e porque só faço esse tipo de coisa com Brizo —, até ouvirmos o som do trinco.

Conforme a porta se abre rangendo, o calor transpassa não somente a minha pele, como os meus olhos. A calidez define a minha visão e sensação do ambiente, com todas as luzes tendo um tom puxado para o amarelo, não intensas ao ponto de ferir os olhos. O chão é laminado e envernizado, brilhante, provavelmente escorregadio e ameaçando meu equilíbrio, e as paredes brancas com são de grafiato com brilho. Os móveis são igualmente de madeira e assustadoramente preservados. Tudo me causa uma impressão atemporal, por mais antiquada que seja a decoração, é bem-cuidada. Odeio admitir que o abrigo está em melhores condições do que a Imundice.

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora