Meu último encontro com Kiera foi na semana passada, quando estava discutindo com Dian na sala de jantar. Depois disso ela não retornou para me ver, nem tive notícias suas. E seria um equívoco dizer que estou preocupada com ela, afinal eventos graves jamais passariam despercebidos pelos fofoqueiros de plantão.
Antes de sair de casa, indago a Dian sobre a falta dela. Sua resposta, curta e grossa, é que ele rompeu o relacionamento com Kiera justamente para não precisar vê-la todos os dias, como estava acontecendo, e deu um basta nisso a mandando ir embora.
Preciso segurar a língua para me impedir de falar que ele foi um imbecil. Não estou afim de brigar, não sei como foi a conversa entre ambos e nem estou na sua pele para compreender a maneira como lida com um término de cinco anos. Se é desconfortável Kiera vir aqui, então eu serei prática e irei à casa dela.
Abrir a porta da Imundice se tornou um desafio. É o que mais me faz relutar. Há chances de encontrar Muirne mais uma vez, e agora que suas cartas foram postas à mesa e eu não admiti o que fiz, ela partirá para cima de mim na primeira oportunidade.
Mas, sinceramente, não vou morrer de medo. Existem coisas piores em Kildare que tiraram minha vontade de sair de casa e me ameaçaram, não é uma desequilibrada que me manterá presa aqui. Só que também não sou relaxada, por isso recuo da porta e retorno com uma faca de cozinha escondida no meu vestido cotidiano.
Suspiro. Nem em Wexford eu precisava de tanta cautela.
Por sorte, o caminho até a mansão de Kiera é tranquilo. Eu a encontro completamente suja de barro no jardim quilométrico, plantando novas mudas, e aceno para ela me notar. Seu sorriso ao me ver é contagiante e ela vem a passos que mais se assemelham a saltos, descalça sobre a lama, até mim.
— Bridie! — Ela para a um centímetro de me cumprimentar com um beijo na bochecha, ao se lembrar que vai me sujar. — Ah, pode entrar. Espera eu me trocar rapidinho?
— Sabe que não ligo para sujeira.
— Meus pais "ligam" quando eu lambuzo a casa. — Ela sorri, como quem se esforça para demonstrar informalidade.
Eu fico na sua mansão até a hora do almoço. O campo é vasto e bem cultivado, possivelmente pela própria Kiera, e a construção no centro faz jus à imensidão do quintal. A casa branca é de três andares comuns e o último se trata de uma sacada reservada para as festas, eu acho, é difícil de ver daqui. Acabo optando por não entrar na sua casa, pois tem o risco de encontrar com seus pais. Tenho a menor dúvida que me odeiam e que me veem como a culpada por sua filha perder o noivado com um príncipe, quando a incompatibilidade de ambos causaria isso cedo ou tarde, independente da minha presença.
Nós ficamos no gazebo do seu jardim, enquanto tomamos suco de morango, e eu me entretenho dando comida aos peixes que estão na fonte. Kiera tagarela das novidades com notável alegria e tom de fofoca que mal me interessa, só até chegar a parte em que ela decide me contar algo pessoal:
— Eu falei a verdade para meus pais. Bati o pé e disse que estava me sentindo infeliz. — Eu desvio a atenção dos peixes na mesma hora. — A reação deles foi terrível, como bem imaginei que seria, mas isso não faz doer menos. Gritaram comigo por dias. Me chamaram de mimada, estúpida e inconsequente. Eles tentaram me forçar a voltar atrás e convencer Dian, mas eu não quis. Disseram que logo eu iria me arrepender, e essa casa não está um silêncio completo à toa. Eles não estão aqui. Foram viajar porque, nas palavras deles, olhar para meu rosto os consterna agora mais do que remete à felicidade que eu trouxe para eles durante minha vida... — Kiera para de falar, no intuito de respirar fundo e não permitir que as emoções aflorem. — E eu não consigo condená-los o quanto parece justo. Eles planejaram por anos como seria a minha vida após o noivado, estava tudo encaminhado, mas nunca confessei nada daquilo. Não duvido que tenha sido muita informação para processarem, e por isso se enfureceram tanto. Na visão deles, meu futuro foi arruinado porque sempre quero tudo do meu jeito e que eu tinha sorte por ao menos estar me relacionando com um amigo de infância.
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O Príncipe do Infortúnio
FantasiLIVRO 2 DA TRILOGIA FORJADORA DO DESASTRE, CONTÉM SPOILERS. Por rancor, ele desejará um coração. Sob o comando de Leanan Sidhe, tornando-se uma sombra do atual rei de Danann, Aisling suporta uma vida de aparências e outra repleta de atrocidades para...