Capítulo 8 - Uma amiga para dizer a verdade

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Meus pés ainda descalços se sujam na poça de barro, porém não dou atenção a isso e corro na direção do armazém, onde Dian conversa civilizadamente com o senescal Keenan, que também está descalço até no meio dessa chuva.

— Vamos levá-los para casa. — A voz de Keenan é bem rouca, como a de um fumante.

Para casa, é. Não consigo deixar de rir sozinha. Casa deveria ser o meu ponto seguro, não o meu local de abate.

A área do assassinato é interditada por druidas scelaiges, os únicos analfabetos de Kildare e que tem como função transmitir conhecimentos antigos que não podem ser escritos, além de desvendarem eventos. Serem desprovidos da leitura não os torna burros, longe disso, eles ensinam os professores e estão envolvidos em quase todos os âmbitos, incluindo o de investigação.

Eu e Dian somos conduzidos para uma das inúmeras salas de estar que há na mansão. O cômodo é iluminado por arandelas, onde os druidas criados dispõe magia para acender, há duas janelas salientes fechadas por uma camada de cortina branca fina e outra grossa, na cor azul marinho. No centro há uma mesa redonda, duas poltronas em volta e dois sofás mais distantes da mesma cor das cortinas, tudo com uma ótima visão para o lustre versaille suspenso no teto.

Estou observando pela janela, entre o vão das cortinas. A chuva respinga no vidro e me impede de ver muito longe. No geral, posso dizer que a Imundice está bem movimentada, com os druidas scelaiges estudando o ocorrido.

Seguido a nós, Balor entra sozinha pela porta, já sem a companhia do senescal Keenan. Ela não nos analisa muito, apenas anda descompromissadamente pela sala e pega uma bala de morango que está disponível num potinho de porcelana na mesa central.

— Errou o caminho, general? — Há ironia na fala de Dian.

— De forma alguma, Vossa Alteza. Apenas gostaria de ressaltar que o caso de Erin não é o mesmo que o dos outros — diz, mastigando a bala que faz um som dentro da sua boca por ser bem dura de quebrar nos dentes. Seu olhar permanece sobre o de Dian e ele não se deixa intimidar. — Tem certeza que não sabe de nada, Vossa Alteza?

— Tenho certeza. — Dian abana uma mão, tanto quanto irritado por outra pessoa acusá-lo. — E quanto a você, general, não imagino que o veneno estivesse tão óbvio assim. Fedelma teria percebido em condições normais com seu perfeccionismo. Tem certeza que não sabe de nada?

Balor resolve pegar um monte de balas com uma única mão e algumas são perfuradas de um lado para o outro com seus espinhos.

— Eu sei de muitas coisas, na verdade — responde a mulher, comendo bala por bala. — É um veneno que circula apenas em Golias e não é comercializado. O culpado não é do nosso país ou apenas tem acesso ao estoque. De toda forma, é questão de tempo até os scelaiges traçarem o que aconteceu e me relatarem. — Já de volta à porta que entrou, prestes a sair, o olho dourado de Balor se arregala e ela complementa: — Um último aviso: esse veneno se chama gaol e é um destaque em Golias por ter efeito alucinógeno a longo prazo. Muitos reis já cometeram suicídio por culpa disso e perderam guerras civis. O veneno em si dificilmente mata, mas os efeitos colaterais são piores por funcionarem como uma droga que permanece no organismo por um bom tempo e afeta o emocional. Mesmo que vocês não tenham sintomas por não serem druidas, prestem atenção ao menor indício de loucura e procurem ajuda médica dos liang.

Balor não se despede de nós e fecha a porta, nos deixando a sós com o som predominante da chuva na janela. Não me surpreendo se ela tiver vindo apenas pelas balas. Eu ainda estou de pé, assimilando o que ela disse, enquanto Dian deita a cabeça no encosto do sofá e olha para mim quase de ponta cabeça.

— Acredita nela? — indaga.

— Não sei. Ela não economizou nos detalhes. — Estou sendo sincera. Nessa situação não há espaço para joguinhos. — E você?

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora