Dois dias e nove horas, foi o tempo que me afastei de Kildare. Matutar sobre o passado e futuro me ajudou a escapar do presente, suportando a viagem desconfortável e debaixo da neve. Eu e Kiera trememos de frio, só que nem a temperatura a impediu de cochilar na metade do trajeto. Fui obrigada a conduzir os cavalos, o que os irritou, perderam o controle e teríamos descarrilado se Kiera não acordasse para tomar as rédeas.
A exaustão de Kiera não a impede de balançar os pés e comemorar, logo que vemos a muralha de espinheiros responsáveis por isolar Kildare do restante do mundo. Ela literalmente pula no banco e tira os cabelos negros grudados ao rosto com suor congelado. O alívio no seu semblante indica que foi uma aventura para nunca mais.
Eu considero Kildare uma aventura para nunca mais. Meu objetivo aqui é centralizado em trazer Dian. Tive dois dias para raciocinar o que fazer quando chegasse e, na verdade, não tenho um plano. Desconheço a maneira como a guarda de Kildare exerce sua função. Irei me atentar somente ao que entendo, por exemplo, o fato de que entrar em Kildare é milhares de vezes mais complicado do que sair, pois há uma vigília camuflada na mata, mas não é isso que vai me desanimar de retornar à mansão que é minha por direito.
— Lady Kiera Aaran. Lady Bridie Marfach. — O sentinela denuncia sua posição ao proferir nossos nomes, deixando a floresta para vir até nós. Seu uniforme se trata de um manto feito à base de folhas de palmeira e um chapéu de aba grande composto por flores e uma máscara de madeira com um sorriso longo talhado.
— O senhor pode constatar que não trouxemos nada ilícito do exterior — afirma Kiera, e seu tom se assemelha à forma mordaz que ela me tratava. — Tivemos uma viagem perdurável, exaustiva, e o senhor está atrapalhando o nosso repouso.
Não culpo o sentinela. É atípica a cena de duas ladies se cobrindo com vestidos, mortas de fome, o rosto isento de maquiagem e dando falta de um banho por dois dias. Foi corajoso por parte da Kiera ter fôlego para retornar o caminho todo, tendo como combustível a ela própria, conversando comigo para nos distrairmos e tocando em diversos assuntos, como nossas vidas anos atrás até precauções para quando chegássemos a Kildare.
— Solicito perdão devido ao atraso que causei às rotinas das senhoritas. Somente estou agindo com cautela. — O sentinela faz uma reverência educada, andando de costas de volta à mata. — Para evitar apreensão: Lady Marfach não deve receber semelhante repressão à de Sua Alteza Dian. A senhorita é bem-vinda de volta ao lar e tem permissão de exigir o respeito de qualquer um.
Estalo a língua, sem esconder a exasperação. Só quero ir logo com isso e sair daqui.
Às vezes desassocio que me chamo Aisling, de tanto que atendo pelo nome da minha mãe. Marfach me irrita por ser um nome escolhido por Dother. Eu não sou um animal de estimação para receber nomes.
Meus olhos ficam presos ao Crann Bethadh, imaginando o novo rei de lá, com sua mãe sussurrando no seu ouvido, aguardando a chegada de Balor para nos caçar.
Não me arrependo de estar aqui novamente, tampouco de arriscar. Ainda que esteja premeditando dias em que teremos de fugir, vivenciar essa possibilidade é um ato de otimismo, se comparado a abandonar Dian para que sofra um destino horrível. Eu não partirei de Kildare enquanto não o convencer. Ficarei em paz com a minha decisão até o fim. Está tudo bem me atrasar mais um pouco, papai e Brizo estão bem.
— Preciso de um favor seu — aviso a Kiera, que faz um som gutural para indicar que está ouvindo. — Enquanto procuro por Dian, quero que você vá a um búnquer.
— Desde quando tem abrigos do tipo em Kildare? Não há guerras por aqui.
— Eu adoraria saber. — Mais um item que ignorei a importância e poderia ter descoberto a respeito. — Chegando à Imundice, irei fazer um desenho com as coordenadas. Preciso que você busque os itens que estão nas prateleiras do quinto andar, e irei deixar o endereço na folha para depois irmos a Wexford, onde podem nos acolher.
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O Príncipe do Infortúnio
FantasiLIVRO 2 DA TRILOGIA FORJADORA DO DESASTRE, CONTÉM SPOILERS. Por rancor, ele desejará um coração. Sob o comando de Leanan Sidhe, tornando-se uma sombra do atual rei de Danann, Aisling suporta uma vida de aparências e outra repleta de atrocidades para...