Capítulo 25 - Paranoia

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É esperado que a paz desvaneça de qualquer ambiente quando sua mente insiste no fato de que pode haver alguém em sua companhia e, não importa para onde mirar, você se sentirá sozinho e observado de forma simultânea.

O breu e o silêncio se perpetuam durante a noite. Nada fora do habitual.

Os vultos na minha visão me enganam. É culpa do sono. Não tem como Dother ter devolvido o seu presente em tão bom estado, incluindo com um aroma perfumado, quando essa flor de aço passou semanas em água corrente e com certeza chegou aos rios nojentos das cidades. Não tem como ser a antiga Rosa da Glória. Não tem como ter sido Dother. E sequer importa de onde isso tenha vindo, minha reação é involuntária para agarrar a rosa de aço com brutalidade e sair do meu quarto, ignorando as perfurações superficiais na minha pele por conta dos espinhos.

Eu sigo para a área externa da Imundice carregando uma lamparina e observando repleta de insistência cada um dos quatro cantos. Próxima suficiente do rio, eu pressiono a rosa com toda a minha força e entorto, mas ela não arrebenta por se tratar de aço e ter tantos espinhos machucando as minhas palmas. Irritada por isso, solto a rosa das minhas mãos, pisoteio e chuto de volta para o rio.

Que nunca mais volte.

A noite é terrível. Sou incapaz de fechar os olhos e sou obrigada a esperar o meu corpo ser vencido pelo maior dos cansaços. Todos os sonhos são desconexos e desconfortáveis, e terminam com o chamado de Fedelma que me acorda pela manhã, com ela abrindo as cortinas para recepcionar o sol.

Mais essencial do que o bom dia, olho para minha cômoda e o alívio me percorre por não avistar a Rosa da Glória ali, assim posso ouvir com tranquilidade a Fedelma ler as notícias do dia no jornal.

— Uma manifestação contra a decisão de Sua Majestade Cleena terminou com cinco ex-competidores do Beltane presos — lê, com o papel desdobrado cobrindo seu rosto bochechudo. — Mas não há somente notícias desagradáveis, pois foi lançado o primeiro modelo de televisão colorida e certamente iremos adquirir para a senhorita.

Eu assinto com a cabeça e me levanto para seguir com as higienes matinais, absorta nos meus próprios pensamentos e dúvidas intermináveis. Quero acreditar que foi um engano, ou que seja presente de um dos convidados de ontem, e dessa forma tento acompanhar a rotina, vez ou outra vasculhando os cantos esquecidos da Imundice para encontrar nada e mais nada.

— Está sem fome, senhorita? — indaga Fedelma pela terceira vez na mesa durante o café da manhã.

— Então há algo extremamente errado — comenta Dian, também avaliando o meu prato intocado.

Minha resposta se resume a um som gutural de concordância. Nunca imaginei que o pão com manteiga — que consegui solicitar com tanta persistência — desceria tão pesado na minha garganta e seria mal recepcionado no estômago.

— Quando a senhorita finalizar seu desjejum, informo que hoje de manhã chegou uma carta para Lady Marfach — anuncia Fedelma, colhendo o prato de Dian e outros já vazios.

— Quem assinou? — Mesmo que seja importante saber, minha voz é desanimada e sonolenta.

— Devo mencionar que a letra é praticamente ilegível, sem ofensas à autora. Veio de uma senhora, Dona Sidhe.

Leanan Sidhe.

— É de uma conhecida minha — confirmo para retirar as suspeitas na expressão fechada de Fedelma. — Pode trazer para mim, por favor?

Fedelma tenta argumentar que a mesa não é lugar de se ler cartas, porém estou com tanto sono que suas reclamações são inaudíveis, burburinhos nos meus ouvidos, tanto que ela desiste de discutir e traz a folha de papel.

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora