Capítulo 38 - Um sonho inalcançável

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A trajetória é extensa e fatigante, especialmente a Kiera que conduz os dois cavalos à frente da carruagem, os alimenta e fornece intervalos. Durante a noite, passado vinte horas que deixamos Kildare, nós amarramos os cavalos por perto e dormimos nos bancos, assim que Kiera tem êxito em fazer vinhas crescerem da terra para ocultar a carruagem, aproveitando a vegetação semelhante do matagal próximo.

Pela manhã, seguida de uma noite mal dormida, descemos do transporte para entrar em um bar literalmente no fim do mundo. Para todos os lados há uma imensidão de grama sendo coberta pela neve, em uma mudança de tempo brusca, que me obriga a usar agasalho e emprestar um para Kiera, ainda doente e espirrando de minuto em minuto.

— Eu não sou grande entusiasta da magia, mas não se preocupe, são apenas humanos — assegura Kiera, à medida que abre a porta vai e vem do estabelecimento —, o básico que eu conheço será aceitável se algum mal amado avançar contra nós.

É um fato que nesses locais as maiores esquisitices podem ser encontradas, pois são bares que unem fregueses de todas as partes do mapa, todos só de passagem, pessoas que nunca mais se encontrarão e que não devem nada umas às outras. O odor fétido do boteco quase me faz perder a fome. Nem quando um dos clientes fecha a porta do banheiro que fica num corredor do canto, melhora. A comida deles é puramente oleosa. Há pacotes de ingredientes no chão molhado e empoeirado. Há só uma moça magra de cabelos soltos no balcão que tenta atender a todos, enquanto um velho barbudo apenas se dá ao trabalho de direcionar ordens a ela, que se apressa para preparar bebidas, refeições e até drogas dentro do refrigerador.

Reconheço o cheiro e a fumaça laranja de neart, um tabaco com efeitos anabolizantes e que melhoram o fôlego. O pessoal de Wexford tem costume de usar por ser um grande contribuinte para trabalhos braçais que exigem tanto do físico. Já ousei tragar um certa vez, mas o sabor é insuportável, pois arde a garganta e nem água alivia.

Kiera fica estática com a repugnância. O cenário a preocupa mais do que quem frequenta. Sua atenção mal se dirige à gangue composta por cinco homens sentados aos barris e com espetos de frango jogados na mesa sem nenhum prato ou pano. Eles nos encaram avidamente, porém não são os únicos. A balconista até passa a camisa suada no seu rosto e tenta moldar um sorriso para nos atender. Ela tem vários dentes faltando.

— Bem-vindas, senhoritas! — diz a mulher, nos aguardando. — Devem estar com uma fome que poderiam matar um leão pra comer.

— Não é? — retorno à Kiera.

— É... — Ela não consegue esconder o desprazer, mesclando à sua tentativa de simpatia. — Olha, Bridie, que tal só você comer e... você se acomoda àquela mesa perto da janela! Eu permanecerei do lado de fora e aguardarei até que finalize sua refeição.

— Ah! — A balconista dá um berro com a voz esganiçada e chama a atenção de um menino, o qual está embaixo da mesa que Kiera apontou, para apanhar uma moeda. — Dara, vaza daí e dê espaço às senhoritas. N-não se preocupem! Nós temos um estoque limpo e reservado a clientes especiais.

Ao invés de responder à moça, Kiera me conduz para perto da saída, depois segura nas minhas duas mãos e toma uns segundos para respirar. A palma de suas mãos está suada, indicando nervosismo.

— Escuta — inicia, mexendo nas minhas unhas e tendo um tique —, é a primeira vez que eu estou saindo sozinha de Kildare. Só sei que estou seguindo o mapa corretamente porque achamos esse local que estava indicado nele. Sei que é inoportuno estar nesse estado, mas meu estômago se embrulhou desde que saímos. Tenho medo de errar o caminho ou acontecer qualquer evento fora do previsto. Eu estou fazendo tamanho favor porque o Di implorou e porque envolve a sua segurança, porém não diminui em nada as minhas incertezas, então não quero comer nada até que dê tudo certo.

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora