Capítulo 24 - Dia de glória

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Kiera me observa com expectativa enquanto enrola continuamente uma mecha de cabelo. Ela tosse o mínimo que pode e esconde o rosto para evitar que sua gripe se espalhe.

— Não conheço muito dos seus pais, mas acho que você está antecipando a dor, sem de fato saber como será a reação deles — eu inicio, buscando qualquer tipo de conselho na mente. — Como sei que isso não serve de consolo, eu aprendi duas coisas com o tempo. Primeira: quanto mais tempo você leva para fazer algo, mais ansiosa você vai ficar quando chegar a hora, porque nós criamos expectativas mesmo evitando. Segunda: às vezes o "não" abre mais portas do que o "sim". Eles podem ver sua atitude com maus olhos pelo tempo que for, você provavelmente vai ter discussões desgastantes, mas fugir disso vai ser pior e você acabará infeliz.

Ela ouve cada frase minha com atenção e permite que eu divague sobre meu ponto de vista, sem retrucar ou me corrigir, apenas abre a boca para concordar ou mexe com a cabeça.

— Isso de ansiedade acertou um ponto que estive evitando por... talvez três anos — responde Kiera, ainda bastante pensativa. — O namoro desgastou a minha amizade com Dian a um ponto que não sei se é irreversível ou não. Agora sequer tenho ideia do que fazer com a liberdade que reconquistei, e não sei se consigo aproveitá-la. Nem ao menos se mereço.

— Eu imagino que seja angustiante — afirmo em seguida —, não posso dizer com certeza que entendo, mas comigo já aconteceu próximo disso, quando eu roubei um pacote de bolachas e fiquei com vergonha de contar para os meus pais. Levou dias para assumir a culpa e, no fim, eles não brigaram comigo. Como eu não tinha aberto o pacote, me fizeram devolver para o dono e pedir desculpas, o que foi mais marcante do que uma surra. Foi um dos momentos mais embaraçosos da minha vida.

— Então é verdade que roubam até número de casas nos condados humanos ou que usam cachorros para caçar criminosos? — Sua questão é genuína, até ela perceber a maneira como perguntou e se incomodar. — Desculpa por soar insensível. Eu apenas não tenho muito conhecimento do que acontece fora de Kildare.

É uma surpresa para mim que o assunto encontre novas tangentes com o passar do tempo. A conversa se mantém natural e me esqueço da festa entediante no salão. Às vezes ouço risadas e burburinhos, porém dialogar com Kiera capta mais a minha atenção.

Eu deveria ter cogitado que Kiera fosse isenta da empatia de outras ladies por ter namorado um príncipe e causado inveja. Ela ainda me acrescenta dizendo que tem apenas colegas, porém não considera nenhuma pessoa ao nível íntimo de falar das suas fraquezas e incertezas, e que provavelmente vai cortar contato inclusive com as colegas por já estar cansada do quanto as garotas a colocam para baixo, dizendo que Kiera deveria calar a boca e agradecer por ter um relacionamento com alguém tão importante.

O dia está anoitecendo em um clima agradável, tanto lá fora quanto entre nós e as boas risadas, assim que eu uso um xingamento comum em Wexford para rotular as garotas que tanto a perturbam.

Sem que nos déssemos conta, o assunto cai novamente em Dian, e Kiera demonstra propriedade no que diz:

— Ele nunca foi tímido, mas também não é alguém que abriria os braços num espetáculo para ser a atração principal. — No meio da sua fala, ela se interrompe para rir de si mesma. — Na verdade, é muito absurdo lembrar disso! O Dian já foi considerado o príncipe mais simpático entre os irmãos, quando tinha uns sete anos. Naquela época ele sempre me trazia uma margarida quando visitava minha casa, e uma vez tinha uma abelha na flor.

— Dian e simpático na mesma frase não combinam. A primeira vez que ele me ajudou foi me entregando droga e dizendo que eu era patética. — A normalidade na minha voz faz Kiera rir ainda mais.

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora