Capítulo 30 - Aqueles que sorriem em meio à dor

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As notícias de que a general Balor foi levada a julgamento por falso testemunho, corrupção e conspiração soam escandalosas ao público. Os druidas estão desacreditados, e absolutamente contestariam a acusação se não fosse o próprio rei declarando. Ler no jornal e ver a foto da mulher colossal algemada serve como um deleite para mim. Uma compensação para cada dia de terror que eu vivi. Não me esqueço das suas ameaças durante as semanas em que estive dependendo da sua péssima vontade, e agora aproveito os burburinhos quanto ao caso, os quais só confirmam que eu estou acordada e vivenciando uma realidade em que posso retornar para casa.

Posso ir para casa. Acabou. Não há mais ameaças.

Nada é mais evidente do que minha impossibilidade de continuar neste condado. Memórias terríveis estão acopladas a Kildare, assim como o fato de que eu jamais poderei ser abençoada. Não há o que ser feito, e meu único caminho é seguir com o plano que tanto estimei: retornar à vida normal.

A rotina era exaustiva, mas nada se compara ao sufoco de habitar onde não sou bem-vinda. Kildare é um sonho, o mais sublime que uma comunidade alcança, só que reservado a quem merece. Eu não faço parte do círculo. Estou cansada de ser um cordeiro em pele de lobo e tenho sorte por retornar à minha imundice ser uma possibilidade.

Eu estaria apodrecendo no Julgamento se Balor não tivesse me tirado da prisão, logo que me prenderam no Beltane. Ironicamente, parando para pensar, ela me salvou da cadeia e eu fui responsável por jogá-la numa. Ela deve me odiar e cobiçar pelo dia que terá minha cabeça suspensa nas suas mãos, mas isso sequer importa quando jamais veremos uma a outra novamente.

Me odeie o quanto quiser, você mereceu.

Nessa calmaria repleta de ansiedade escondida, me imagino daqui alguns anos, casada e contando a história para meus filhos ou conhecidos. Duvido que iriam tomar como verdade, afinal, para humanos é incomum o contato com druidas — exceto professores —, então poderia trazer um tom cômico ao meu conto.

Acredito que agora é questão de tempo para Dub retornar com uma solução para Dian. Ele preza demais pelo irmão para deixar a situação como está. Ter um príncipe darach ainda é um fato extremamente comentado e reprovado por diversos opositores ao trono e inclusive por apoiadores. Nós não estaremos conectados por tanto tempo quanto julguei, e logo a Imundice que chamamos de casa poucas vezes voltará a ser esquecida por nós e pelos demais, sem nenhuma memória de que estivemos ali.

Bom, nunca se sabe quando é a hora de dizer adeus.

*

O clima é de festa na minha mente, embora não haja uma nova informação sobre o arco, mas não posso ser antipática e ignorar que nem todos ficaram alegres com a notícia de Balor. Redmond deve estar arrasado, especialmente ele, com a frequência em que ambos se encontravam. Meu professor sempre era convidado por ela a participar das comemorações, por isso ele marcava presença, ainda que sua posição na sociedade druida não seja das mais favorecidas.

Nunca sei onde posso encontrá-lo em Kildare. Os únicos locais que Redmond frequenta, e que eu conheço, são no cemitério — na lápide do rei Dagda — ou na sorveteria Sundae. Minha opção óbvia é passar na sorveteria, por volta do mesmo horário em que fui lá da última vez, e esperá-lo.

Um dia, dois, e nem três. Redmond não aparece. Eu insisto e continuo frequentando a sorveteria por teimosia, todos os dias pedindo uma sobremesa diferente. Ir lá se tornou um costume além da finalidade de encontrá-lo.

A tal ponto, é uma surpresa ver o homem de cabelos loiros amarrados e seus óculos redondos adentrando o estabelecimento, só que acompanhado por uma criança. Um menino com certeza menor de dez anos e sem características druidas, porém que não confunde, pois é responsável por atrair borboletas para perto de si. Eles estão de mãos dadas e, assim que Redmond me vê, ele se agacha e diz algo para o menino, que sorri e corre para fora da loja, sendo seguido pelas borboletas e indo em direção a um parque do outro lado da rua, lotado de crianças.

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora