Capítulo 29 - Nunca se sabe a hora de dizer adeus

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Agonia é um sentimento com diversas camadas. Dentro dele, reside o desespero em busca do fim, a negação e a própria aceitação, nenhum de forma aprazível, imersos na ansiedade de um momento futuro que, quanto mais desejado, mais demora a chegar. Aguardar intensifica a expectativa e exacerba os impulsos. Acho que posso cometer uma loucura, sendo exposta a tanta pressão. A ponta de um dos meus pés bate repetidas vezes no chão. Os braços cruzados apertam o meu corpo na esperança de que irão me fazer desaparecer. Desconheço o que haverá do outro lado da porta e estou isenta de contra medidas para o pior, exatamente por não fazer a menor ideia do motivo desse comparecimento urgente.

Já vi essa porta do Crann Bethadh inúmeras vezes quando criada e jamais fui autorizada a sequer olhar pelo vão na fechadura. É um dos locais mais importantes do país, afinal de contas, onde tomam as decisões que mudam a vida de milhões. Por isso é tão agoniante ouvir meu nome sendo convocado logo pela manhã, em um estado alarmante e o mensageiro sério.

A porta se abre.

Claridade invade a minha retina e demoro para me acostumar com a claridade do sol poente entrando pela janela. Somente a sala do trono pode se equiparar à majestosidade desta. O chão reflete meus medos estampados na feição, comigo observando sua limpeza com incredulidade, e busco refúgio levantando o olhar, porém me deparo com os retratos de cada rei de Danann exposto na parede, com todos olhando para mim, como se me julgassem e soubessem o que eu cometi. O corredor extenso parece infinito, me conduzindo à mesa espaçosa de madeira viva, com pequenas flores douradas ainda florescendo nas suas extremidades. E tão dourado quanto as plantas, há fontes de água brilhante coladas às paredes laterais, feitas em esculturas no formato de diversos animais, cada uma dividindo os retratos suntuosos dos governantes passados.

Dub está me esperando no limite do corredor, em todo o silêncio que contém a sua ira.

Seu colete branco é com estampa floral brilhosa, que se destaca perante à luz e toma minha atenção pelos detalhes, ainda mais por conta da camisa social azul escuro trazendo um contraste, enquanto acima disso se encontra o manto branco com gola peluciada, o que incrementa seu ar suntuoso e único.

Música pode ser ouvida daqui, uma relaxante, baixa, que contrasta com os sentimentos presentes no meu coração.

Entre todos os druidas do país, assim como sua madrasta, o rei é um dos raros que exibe uma aparência excepcionalmente humana, sem qualquer traço do que de fato é. Talvez só seja impossível um humano carregar a sua soberania. Não há ninguém acima de si ou sequer equiparável. A coroa de carvalho com linhas de diamante cintilando em sintonia às águas da fonte não me remete a algo belo, apenas à ardência do tapa, pois era o que mais chamava a minha atenção quando aconteceu. Eu sinto que o ar se recusa a entrar nos meus pulmões para não ter risco de poluir o ar que ele respira.

— Sente-se, Aisling Maeve — ordena, apontando com a cabeça para a direção de uma cadeira à frente da sua mesa.

Cada passo meu ecoa abafado no tapete e se mistura ao som da água nas fontes.

Ser observada por Dub é como um massacre. Uma morte lenta. Cada segredo meu pode escorrer contra a minha vontade, conforme a tensão me esmaga gradativamente, até o instante em que o pânico irá consumir os meus pensamentos, numa tentativa tola de acelerar o processo para sair daqui.

— A que devo tamanha honra, Vossa Majestade? — digo, quase num sussurro.

Eu sei o que está me aguardando. A pergunta não é nada além de uma cortesia.

Não consigo controlar a tremedeira em uma das pernas.

— Chegou aos meus ouvidos, por intermédio de Dian, que você recebeu uma carta de seus parentes. Você confirma a veracidade de suas palavras? — O rei permanece de pé, de costas para a janela que antes contemplava.

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora