Capítulo 13 - A sombra que persegue

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Ter medo de Leanan Sidhe era o básico da sobrevivência em Wexford, e ainda é, no entanto, algo me trazia para perto dela na infância. Talvez curiosidade. Ela nunca foi amigável, é o mesmo de ser acariciado por uma barra de ferro, mas Leanan, ao mesmo tempo, ajudou a construir minha casa e até pintou a porta de verde com o meu pai porque queriam rotular a cor à esperança. Eles eram amigos e trocavam bastante coisas e favores.

Às vezes me pergunto se a admiro ou temo. Independente da resposta, manter respeito é o mínimo. Posso instigá-la a revelar a localização da casa que minha família está hospedada em Falias, na melhor das hipóteses.

O quarto da Dona Leanan fica nos fundos do cubículo que é essa casa. O tamanho do cômodo é equiparável a uma caixa de fósforo, pois cabe somente uma cama, a cômoda e um armário mal posicionado.

Eu ajudei a senhora a subir as escadas e a deitar na cama com um cobertor costurado de vários outros cobertores. Leanan não faz questão de se aquecer, mas, sim, de puxar um estilete abaixo do seu travesseiro e cortar uma linha do cobertor, para então me pedir que eu faça um nó e aperte bem a ferida na sua perna.

Sem uma cadeira para me sentar, eu fico em cima da cômoda e rezo para que ela não quebre.

— Não percebi que o miserável podia quebrar as correntes — diz, num tom que soa como uma reclamação a si mesma. — Vacilei feio dessa vez.

— E ele era quem?

— Ronan Bréag. — Leanan se inclina para pegar um caderno embaixo de sua cama. Na falta de um lápis ou caneta, ela rasga o mesmo nome que diz na folha. Há vários nomes rasgados nas folhas. — A morte desse aí vai me dar problema.

— Tanto quanto o Lapim.

E eu sinceramente espero que Leanan se livre desse corpo sem cometer o mesmo erro da última vez.

— Que nada, vai ser pior com a morte do Bréag. — Durante sua fala, ela aponta na direção da porta aberta, onde vem o som do Derry arrastando o corpo de Ronan. — Esse aí não era informante de Balor. Não era um druida zé-ninguém igual o Lapim. Ronan Bréag tinha uma conexão com a antiga rainha Carman.

— Não estou entendendo, Dona Leanan. Por que Sua Majestade me fez vir aqui?

— É lógico que não tá. Às vezes me esqueço que tu mora num fim de mundo. — Leanan puxa a coberta e começa a se cobrir, claramente sem paciência e cansada. — Seguinte, amanhã a gente dá um passeio e eu te conto as coisas. Por agora, vai dormir no quarto que fica no final do corredor.

Ela não me dá nem a oportunidade de dizer boa noite.

O quarto reservado para mim é pior que o da Leanan, pois só há uma cama e nada mais. Garantir o breu absoluto é simples, basta fechar a porta e nem ar entrará neste quarto ausente de janelas.

Eu utilizo o banheiro antes de me deitar e retorno com dois pedaços de papel embrulhados e colocados em cada narina minha, para ajudar a interromper o sangramento. A dor é insuportável se eu ficar mexendo no meu nariz, então evito. Ao menos não sinto mais dor de garganta.

Deitando-me na cama e me cobrindo, não leva nem cinco minutos para um pernilongo rondar pelas minhas orelhas. O zumbido irritante me obriga a levantar, ligar o interruptor da luz e procurar pelo inseto, até encontrá-lo e esmagá-lo com a mão.

Mas não passam mais cinco minutos para surgir outro. Por essa razão, eu cubro meu rosto com a coberta até não ter um centímetro exposto e isso ajuda um pouco para restabelecer o meu sossego.

Quem dera os pernilongos ou os guinchos agudos dos ratos fossem o verdadeiro problema de Wexford. O problema são os moradores de outras casas. Todos os dias há festas em algum lugar, justo pela madrugada, e eles colocam o volume do rádio com músicas no nível mais insuportável.

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora