(Mar)
Hay un lugar al que me voy (Há um lugar que eu vou)
Cuando estoy triste (Quando estou triste)
Es un lugar dentro de mi (É um lugar dentro de mim)
Que nunca viste (Que você nunca viu)
Pais? O que é isso? O que é ter um pai ou uma mãe? Eu quase não lembro dos meus. Acho que eu devia ter uns cinco ou seis anos quando o conselho tutelar me tirou deles. Lembro até hoje daquele dia. Eu estava com medo, estava muito assustada, mas ainda acho que foi a melhor coisa que fizeram por mim, pois eu não era feliz com eles, na verdade, nem lembro quando eu fui feliz.
Meus pais viviam brigando na minha frente, papai chegava bêbado do serviço e agredia a minha mãe, eu chorava e pedia pra ele parar, mas ele não parava, e ele nunca foi um bom pai, as vezes ele me batia também. Da minha mãe eu não tenho muitas lembranças, quando ela não estava em casa apanhado, estava trabalhando, nunca tinha tempo pra mim. Eu nunca havia ido à escola, e meus pais eram super negligentes, papai principalmente, quando mamãe não estava, ele não me dava nada para comer, nem me dava banho, me deixava suja e com fome.
Não sei como o conselho tutelar descobriu tudo isso, talvez algum vizinho tenha denunciado, só sei que em um belo dia, apareceram umas pessoas em minha casa e me levaram para outro lugar. Era uma casa muito grande, que até então, eu não sabia do que se tratava. Mas era um abrigo. Lá haviam várias crianças e adolescentes de diversas idades, uns eram mais novos que eu, alguns da minha idade, mas a maioria eram mais velhos.
Bom, de lá pra cá já foram 6 abrigos diferentes, pois, digamos que eu não sou a pessoa mais doce do mundo, mas também não sou a pior, querem o quê? Que eu saia mostrando os dentes pra todo mundo? Só porque querem, não sou assim e nem faço questão de ser.
Eu estava no abrigo sentada em um banco do pátio enquanto via as garotas mais chatas do mundo fofocando em um canto. Jennifer e Paloma eram ridículas, estavam sempre pegando no meu pé e a gente vivia brigando, detestava elas.
E então elas vieram em minha direção. Dei uma revirada de olhos.
- O que a mulher das cavernas está olhando? - Paloma perguntou.
- Me chamou do que, imbecil? - Subi no banco, ficando mais alta que elas.
- Opa, eu quis dizer Marianella, mas dá no mesmo. - Deu um sorriso sínico.
- Vou te mostrar quem é a mulher das cavernas, sua otária.
Eu pulei em cima da garota, e nós duas caímos no chão, comecei a puxar o cabelo dela e a garota fez o mesmo comigo. E eu estava tão focada naquela cobra, que nem vi o que Jennifer havia feio quando viu a gente se pegando no pau. Só sei que uns minutos depois apareceu o diretora e o Pedro, que era o cozinheiro, os dois separaram a gente, mas eu estava tão brava, que mesmo sendo segurada pela diretora, eu tentava chutar aquela cachorra.
(...)
- De novo vocês duas? É sempre vocês. Por que vocês duas não começam a se entender em vez de brigarem como dois selvagens?
- Porque com essa aí não tem conversa. - Disse Paloma.
- Essa aí teu...
- Dona Marianella! - Disse a diretora, chamando a minha atenção antes que eu terminasse a frase. - Senhorita Paloma, se retire por favor.
A garota me olhou fixamente e saiu da sala da diretora. Ai, como eu odeio ela! Assim que a idiota saiu, eu me sentei de forma mais cômoda na cadeira em que eu estava, e coloquei meus pés em cima da mesa da mulher.
- Dona Marianella, eu andei conversando muito com a Rosa. - Falou ao se referir a assistente social. - E chegamos a conclusão de que você irá para outro abrigo. - Tirou meus pés de cima da sua mesa.
- Ah, legal, vai ser o 7°, mas até que estava demorando. - Falei. - E quando eu vou?
- Amanhã mesmo.
- Ok, vou arrumar minhas coisas.
Tirei da boca o chiclete que eu estava mastigando, e grudei embaixo da mesa da diretora, sem que ele visse. Dei um falso sorriso para o homem e fui para meu quarto, que era dividido com várias outras garotas, e comecei a arrumar minhas coisas. Eu não ficava triste ou coisa assim, já estava acostumada, mas... ah, eu só queria que tudo isso acabasse, queria poder ter uma família, ou pelo menos, liberdade, mal via a hora de completar 18 anos pra tudo isso acabar, pena que ainda faltavam 2 anos para isso.
Quando eu estava quase terminando de arrumar as poucas coisas que eu tinha, ouvi diversas garotas falando que eu seria transferida de abrigo, elas riam e comemoravam, confesso que isso me deixou chateada, eu sei que eu tinha um gênio um pouco difícil, mas eu queria que as pessoas gostassem de mim como sou, sem precisar ser o que não sou para agradar os outros.
Se eu estava ansiosa ou empolgada para conhecer a minha nova casa? Nem um pouco, pois tinha certeza de que seria mais um lugar chato com gente nojenta, como todos os outros.
(...)
No dia seguinte, eu acordei cedo, havia perdido o sono. Esperei dar as 6h15 e levantei, tomei banho e vesti o uniforme sem graça da escola, e eu nem sabia o porquê de estar indo para o colégio, sendo que certamente eu passaria a frequentar uma nova escola.
Fui até o refeitório e me sentei à mesa. Todos conversavam e riam. E eu... bom, era só eu, a garota mal humorada e agressiva que ninguém gostava e que ninguém queria ser amiga ou amigo.
Na escola não era muito diferente, também não tinha amigos e viviam pegado o meu pé, e por isso, eu sempre me metia em brigas e confusões, estava sempre suspensa da escola, essa parte até que me agradava.
A aula foi um porre como sempre. Ah, e nem fiz questão de me despedir de colegas ou professores, pra quê? Pra eles fazerem uma festa pra comemorar minha saída do colégio?
(...)
À tarde, já no abrigo, a Rosa chegou para me buscar. Estávamos todos reunidos na sala. Todos com cara de paisagem, aposto que por dentro estavam vibrando de alegria
- Vamos? - Rosa perguntou.
- Demorô. - Falei.
- Não vai se despedir dos seus amigos?
Mostrei o dedo do meio pra eles, dei um sorriso vitorioso e sai, indo em direção ao pátio. Rosa foi logo atrás de mim. Entramos em um carro e enquanto ele seguia para minha nova casa, eu fiquei observando as paisagens, enquanto tentava imaginar o que me aguardava. E mal sabia eu que minha vida estava prestes a mudar para sempre.
- Chegamos! - Rosa disse ao pararmos na frente de uma casa.
A casa era bem grande, maior que a anterior e muito bonita e bem cuidada, de fato, a beleza do lugar chamou a minha atenção.
A mulher apitou a campainha, e logo um homem alto, de cabelos cacheados abriu a porta. Quem será que ele era? Será que era o diretor ou só algum funcionário? Tomara que ele seja legal.
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Entre Dois Mundos
RomansaMarianella é uma jovem de 16 anos, que foi tirada da guarda dos pais ainda muito criança, e passou a viver em abrigos. De gênio difícil e bastante rebelde, acabava sempre se metendo em confusão, e por isso era sempre transferida para outro abrigo. A...