6. AS RAÍZES DA BRUXARIA EUROPEIA

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Um estranho quadro da bruxaria foi traçado por escritores dos séculos XV e XVI durante a caça às bruxas.

Pusera-se o sol e as pessoas honestas estão dormindo.

As bruxas (se bem que haja também alguns bruxos) deslizam silenciosamente para fora de suas camas, assegurando-se de que não perturbaram o sono de seus maridos (ou esposas, se for o caso).

Preparam-se para o sabá.

Aquelas bruxas que vivem perto do local da reunião, para lá se dirigem a pé; as que residem mais longe vão a um lugar secreto, esfregam seus corpos com um unguento que lhes permite levitar e saem voando montadas em vassouras, estacas de sebes, tamboretes ou animais.

Na reunião, que tem lugar num porão, caverna ou charneca deserta,
encontram-se de dez a vinte bruxas.

Se entre elas estiver uma neófita, uma cerimônia de iniciação precederá as matérias ordinárias a serem tratadas no encontro.

A noviça ficará de tal modo vinculada ao culto que terá grandes
dificuldades para retirar-se.

Assim, ela é obrigada a jurar que guardará os segredos do culto e ficará ainda mais unida ao grupo quando prometer matar uma criança e apresentar seu corpo numa reunião subsequente.

Renuncia oralmente à fé cristã e sela a sua apostasia calcando aos pés um crucifixo ou excretando sobre uma hóstia consagrada.

Em seguida, ela adora o mestre masculino do culto, o Diabo ou seu representante, oferecendo-lhe o beijo
obsceno nas nádegas.

Concluída a iniciação, a assembleia participa de um banquete.

As bruxas encenam uma paródia do festim eucarístico, trazendo os corpos de crianças a quem previamente mataram.

As crianças podem ter sido roubadas de famílias cristãs ou serem os filhos concebidos pelas bruxas em orgias anteriores.

Elas são imoladas como oferendas ao Diabo.

As bruxas podem cozinhar os corpos das crianças, misturá-los com substâncias repugnantes e incorporá-los ao unguento de levitação.

Ou podem consumir o corpo e o sangue das crianças numa paródia ritual da Santa Ceia.

Depois do festim, os archotes são apagados, ou os candelabros são
derrubados por um cão ou gato preto.

Começa então a orgia.

Ouvem-se gritos de “Misturem-se!”, e cada pessoa agarra a que estiver a seu lado em lascivo abraço.

Os encontros são indiscriminados: homens com homens, mulheres com
mulheres, mães com filhos, irmãos com irmãs.

Concluída a orgia, bruxas e bruxos despedem-se de modo ritualístico de seus senhores e regressam para
casa satisfeitos a fim de se juntarem a seus cônjuges adormecidos.

Semelhante cena jamais ocorreu,mas é o que quase universalmente se
acreditava suceder em um sabá de bruxas.

O que as pessoas acreditam ser verdadeiro influencia suas ações mais do que aquilo que é objetivamente verdadeiro, e a convicção de que esse relato era de uma exatidão irretocável provocou a execução de quase 100 mil pessoas.

As acusações que sentenciavam essas pessoas à morte eram,na melhor das hipóteses, distorcidas e exageradas; na pior,uma invenção e uma impostura.

Quais são as origens dessas crenças e como acabaram por ser reunidas?

Que padrões sociais e psicológicos produziram e mantiveram essas crenças e suas consequências?

Qual é a significação de tal comportamento para a nossa compreensão da natureza humana nos dias de hoje?

Eis algumas das questões
que serão tratadas nos capítulos seguintes.

Quais são as origens dessas crenças?

O quadro da bruxaria anteriormente traçado não se apresentou por inteiro antes do século XV.

No começo, a feitiçaria europeia era semelhante à de qualquer outra parte do mundo.

A transformação foi, em grande medida, fruto da ação do pensamento cristão sobre a sociedade e a religião pagãs.

Mas o cristianismo não conquistou a Europa de um dia para o outro.

Dentro do Império Romano,a conversão exigiu séculos desde o nascimento do Cristo até o estabelecimento do cristianismo por
Teodósio.

Para além das fronteiras setentrionais do Império, o processo só se completou nos séculos VII (Inglaterra), IX (Alemanha) ou mesmo no século XII (Escandinávia).

Durante esse longo período, a teologia cristã foi provocando a transformação gradual da feitiçaria.

Santo Agostinho, o mais influente teólogo cristão, argumentou que a magia, a religião e a feitiçaria pagãs foram todas inventadas pelo Diabo com o intuito de induzir a humanidade a afastar-se da verdade
cristã.

Alguns dos efeitos da feitiçaria são meras ilusões, disse Santo Agostinho; outros são reais.

Mas realidade e ilusão são obras diabólicas.

As feiticeiras, ao invocar os espíritos, estão convocando demônios.

E os teólogos cristãos faziam agora uma outra e importante identificação: os demônios que as feiticeiras invocavam eram os deuses pagãos.

Júpiter, Diana e outras deidades do panteão romano eram realmente demônios, servos de Satã.

Quando o cristianismo avançou rumo ao norte, carregou a mesma alegação a respeito de Wotan, Freya e demais deuses celtas e teutões.

Aqueles que prestavam culto a tais deuses estavam cultuando demônios, soubessem disso ou não.

Graças a essa tática, todos os pagãos, assim como os feiticeiros, podiam ser vistos como parte do monstruoso plano de Satã para frustrar a salvação do mundo.

Era essa a postura adotada pela maioria dos teólogos e concílios da Igreja.

Entretanto, ao mesmo tempo,a religião popular tratava frequentemente as divindades pagãs de maneira muito diferente, transferindo as características dos deuses para as personalidades dos santos.

Na Grécia moderna, ou na Irlanda moderna, ainda é possível encontrar vestígios dos antigos deuses em santos que provocam tempestades, protegem nascentes e fontes sagradas ou fazem rugir o trovão.

De fato, havia consideráveis diferenças entre as religiões do Mediterrâneo e as do norte, mas o cristianismo conglobou-as todas como “pagãs”.

O termo “pagão”,que significava “rústico” ou “labrego”,era insultuoso, e os cristãos aplicavam-no
indiscriminadamente a todas as religiões monistas/politeístas com que se deparavam.

O encontro entre as religiões céltica e teutônica e o cristianismo foi um dos
passos mais importantes na formação da bruxaria histórica.

E também um ponto crucial na interpretação da bruxaria moderna.

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