BRUXARIA COMO PAGANISMO: JARCKE, MONE E MICHELET

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A bruxaria religiosa moderna tem suas raízes mais profundas no movimento romântico do princípio do século XIX.

No fim do século XVIII, o Iluminismo não somente havia banido a bruxaria e outras “superstições” do reino da credibilidade, como também havia expulsado o rico mundo de luz e de sombras que acompanhava essas crenças.

O racionalismo, o ceticismo e o cientismo haviam conspirado para desmistificar o universo, mas não conseguiram erradicar a irracionalidade, nem exilar as emoções humanas.

Havia muitos que ansiavam pelo retorno da transcendência contida nos medos e nas consolações.

O homem do século XIX descobriu-se abandonado em um mundo materialista e monótono.

Na Idade Média, os diabos eram uma realidade que todos aceitavam sem questionar.

Agora, as sombras haviam sumido; a luz do dia era comum e tornava tudo concreto e claro.

E os românticos olharam para
trás nostalgicamente: a era dos demônios e dos íncubos, muito mais
estimulante para a imaginação do que as estradas de ferro e os navios a vapor.

A queixa universal era o tédio.

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Os românticos percebiam que o racionalismo era hostil ao significado profundo da humanidade e às preocupações humanas; em resposta, exaltaram o não racional e o antirracional, o básico, o intuitivo e o extático.

Tal ênfase despertou interesse renovado pela magia e por outras artes ocultas – umentusiasmo que também ajudou a reabrir a discussão sobre a bruxaria e a loucura da caça às bruxas, cuja memória ainda estava fresca o bastante para
assombrar as mentes europeias.

Os philosophes do Iluminismo haviam refletidamente culpado a Igreja Católica pelas mortes e deslocamentos provocados pela histeria contra as bruxas; todavia, por volta dos primeiros anos do século XIX, uma crescente reação dos intelectuais católicos veio em defesa
da Igreja, afirmando que a Inquisição se justificara como a resposta a uma genuína ameaça.

Foi desse debate que surgiu um dos mais importantes conceitos associados à bruxaria moderna: a crença de que a bruxaria medieval era, de fato, uma forma de sobrevivência do paganismo pré-cristão.

Esta ideia, mais do que qualquer
outra, tornou-se central para o juízo que a bruxaria moderna faz de sua própria identidade religiosa, e fornece boa parte da força motriz que se encontra por trás do posicionamento contra cultural do movimento.

Hoje, no início do século
XXI, essa crença foi totalmente desacreditada pelos estudiosos – e a bruxaria moderna ainda está se adaptando a tais implicações.

Contudo, por mais de 150
anos, em sua condição de uma espécie de “mito fundador”, a crença fundamental de que a bruxaria era realmente uma forma de paganismo ajudou a modelar o crescimento e o desenvolvimento da bruxaria religiosa moderna e, de forma mais ampla, do movimento neopagão como um todo.

Ironicamente, a ideia de que a bruxaria era uma sobrevivência do paganismo foi inicialmente proposta para desacreditá-la, não para defendê-la – e para justificar a Inquisição.

Finalmente, esse conceito talhou seu caminho nas tradições da feitiçaria moderna através de um processo de argumentação dialética.

As pesquisas de Ronald Hutton demonstram como essa ideia seminal tomou forma através do toma lá dá cá que marcou a controvérsia entre os apologistas católicos e os críticos seculares da Igreja durante o início do século
XIX.

Em 1828, Karl Jarcke era um jovem catedrático de direito criminal na
Universidade de Berlim.

Ele também ganhou notoriedade como porta-voz articulado e eloquente em favor da Igreja e como defensor de sua imagem pública e de sua reputação.

Nesse ano, Jarcke editou os registros do julgamento de uma bruxa na Alemanha a fim de serem publicados em uma revista profissional; ele acrescentou um comentário pessoal, breve, mas polêmico, no qual descrevia a bruxaria como uma forma degenerada do paganismo nativo e pré-cristão.

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