4. FEITIÇARIA E RELIGIÃO

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A feitiçaria hebraica estava muito longe do satanismo, mas a religião hebraica foi influente na criação do conceito de Diabo.

A maior parte das religiões do
mundo era e é monista, postulando um princípio divino que é bom e mau.

Os deuses eram manifestações desse princípio uno, de modo que também eles eram moralmente ambivalentes.

Talvez a melhor ilustração dessa ambivalência seja a figura do deus mexicano Quetzalcóatl, que é vida e morte, amor e destruição.

A primeira grande ruptura no monismo ocorreu por volta de 600
a.C., com os ensinamentos de Zaratustra no Irã.

Sua revelação de que o mal não é,de maneira alguma, uma manifestação do divino, e de que, pelo contrário, procede de uma fonte totalmente diferente, está na raiz do dualismo religioso que postula a existência de dois princípios:um de bondade e luz, outro de maldade e trevas.

O masdeísmo, a religião derivada do pensamento de Zaratustra, teve enorme influência sobre o pensamento grego e hebraico, e por
meio deles sobre o cristianismo.

Introdução

Festival de Dionísio:sátiros com Dionísio e uma mênade.

Ânfora do Pintor de Amásis,século VI a.C. Osritos orgíacos de Dionísio, que
apareceram em Roma como bacanais, foram o protótipo do sabá das bruxas.

As religiões orientais, como o hinduísmo e o budismo, continuam
professando uma ou outra forma de monismo; as ocidentais, por sua vez, são religiões monoteístas modificadas pelo dualismo.

O espectro das religiões ocidentais vai desde o dualismo extremo do masdeísmo, passando pelo gnosticismo, maniqueísmo, judaísmo e cristianismo até o islamismo (em que o dualismo é bastante atenuado).

Todas essas religiões, ainda que diferentes entre si, postulam um Deus inteiramente bom e onipotente, mas que, paradoxalmente, tolera o mal, que é uma força ou, pelo menos, um vazio em oposição ao Deus bom, ou uma limitação Dele.

O problema do mal foi sempre o mais difícil problema da teologia judaicocristã.

Como se explica que Deus possa ser todo-poderoso e todo-bondade e, no
entanto, tenha criado um mundo onde são abundantes o câncer, a fome e a tortura?

Uma resposta é que o mal é, pelo menos em parte, causado por um
espírito maligno de grande poder.

Os hebreus chamaram a esse espírito satan, "o destruidor".

Satan foi traduzido para o grego como diabolos, donde provieram o latim diabolus, o inglês devil, o francês diable e o nosso "diabo".

* No Antigo Testamento,ca figura de Satã só se manifestou de forma gradual e imprecisa, mas depois, no período do Apocalipse e da literatura apócrifa (200 a.C. a 150 d.C.), recebeu uma definição clara.

O judaísmo permaneceu monoteísta, pelo que Satã nunca pôde converter-se num princípio totalmente independente, como ocorrera com a sua contraparte no masdeísmo, mas o poder que o judaísmo apocalíptico lhe atribuiu era considerável.

O Senhor e o Diabo eram percebidos em oposição ética e cósmica.

Cada um tinha o seu próprio reino: o do Senhor era o reino da Luz, o de Satã, o das Trevas.

O plano do Diabo é tentar Israel para que se afaste de Javé, e consegue certo êxito; mas no fim do mundo, Israel se arrependerá e o Messias porá término ao reino do Diabo.

Nesse meio-tempo, o Diabo lidera uma legião de anjos caídos e espíritos maléficos que percorrem o mundo procurando arruinar e destruir as almas.

Essa concepção de mundo transforma o conceito de feitiçaria.

Em sua forma mais simples, a feitiçaria era puramente mecânica.

Estava então ligada à invocação de espíritos, os quais eram definidos como hostis à humanidade.

Agora são definidos como hostis a Deus.

O judaísmo apocalíptico percebeu os espíritos como demônios malignos coligados sob o comando do Diabo, o princípio do Mal.

Resultou dessa crença que um feiticeiro que invoque espíritos está convocando os servos de Satã para que colaborem com ele em seus desígnios.

O cristianismo tornou esse argumento hermético.

Os espíritos bons, como os anjos e os santos, não podiam ser compelidos, argumentaram os cristãos; a eles só é admissível suplicar.

Os únicos espíritos que podiam ser compelidos eram os maléficos.

O feiticeiro subjugava e forçava os espíritos; portanto, os espíritos assim convocados eram malignos.

Além disso, o poder do Diabo é tão esmagador que quem tentar imprudentemente controlar seus servos ver-se-á, pelo contrário, controlado por eles.

O feiticeiro torna-se servo dos demônios e um súdito de Satã.

Assim tinham sido inteiramente preparadas as bases para a transformação da feitiçaria em bruxaria.

Depois do período apocalíptico, o papel de Satã no judaísmo declinou, por quanto os rabinos, que dominaram o judaísmo a partir do século I, prestaram-lhe pouca atenção.

Mas o cristianismo foi fundado em pleno período apocalíptico e, por conseguinte, o Novo Testamento e o pensamento cristão subsequente atribuíram a Satã um papel considerável.

A função do Diabo no
Novo Testamento é um princípio antagônico para o Cristo.

A mensagem central do Novo Testamento é que o Cristo nos salva.

E é do poder do Diabo que Ele nos
salva.

A oposição entre o Senhor e o Diabo é violenta e profunda, e quem se colocar no caminho do Salvador ou tentar frustrar seus planos de salvação é, explícita ou implicitamente, um servo de Satã.

O Diabo tem sob o seu comando toda a oposição natural e sobrenatural ao Senhor, incluindo demônios, infiéis, hereges e feiticeiros.

Os cristãos primitivos tinham particular aversão pelos feiticeiros.

Ao pretenderem que os milagres realizados pelo Cristo fossem prova
evidente de Sua missão divina, os cristãos foram obrigados a atacar as
reivindicações de prodígios idênticos realizados por feiticeiros, reputando-as como espúrias.

Seus próprios inimigos, como o pagão Celsus, refutaram o cristianismo afirmando que o Cristo não passava de mais um feiticeiro.

Assim, os cristãos perceberam a feitiçaria como um insulto e uma ameaça.

A atitude cristã em relação aos feiticeiros ficou clara a partir dos Atos dos Apóstolos.

Quando Paulo e Barnabé visitaram a cidade de Pafos,aí encontraram "um certo feiticeiro, um falso profeta" chamado Bar-jesus,ou Elimas, que procurou afastar os apóstolos da fé.

Paulo, "cheio do Espírito Santo", assim o repreendeu asperamente: "Filho do diabo,cheio de falsidade e malícia, inimigo de toda justiça, quando é que vais parar de torcer os caminhos do Senhor, que são retos?

Eis que a mão do Senhor vai cair agora sobre ti.

Ficarás cego e, por algum tempo, não verás mais o sol" (Atos 13, 6-11).

Simão, o mago, cuja conversão e batismo foram registrados em Atos (8,9-13), tornou-se na tradição cristã ulterior um dos protótipos do feiticeiro diabólico.

A postura do cristianismo era clara.

Por um lado, havia os seguidores do Bem e da Luz; do outro, os adeptos do Mal e das Trevas, entre os quais se destacavam os feiticeiros.

A feitiçaria percorrera um longo caminho desde as suas origens na magia simples e mecânica.

* Contrariamente a uma crença muito comum entre bruxas modernas, a palavra inglesa devil não está aparentada com divinity, nem significa "pequeno deus" (little god).

As raízesindo-europeias das duas palavras são completamente diferentes: *gwel para devil e *deiwpara divine.

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