7. INTERPRETAÇÕES DA BRUXARIA EUROPEIA

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São correntes pelo menos quatro interpretações importantes da bruxaria
europeia.

A primeira consiste no velho ponto de vista liberal de que a bruxaria, na realidade, nunca existiu, mas foi uma invenção monstruosa das autoridades eclesiásticas a fim de consolidar seus poderes e aumentar seus fartos ganhos.

Para essa escola, a história da bruxaria é um capítulo na história da repressão e
da desumanidade.

A segunda tradição é a folclórica, ou tradição murrayista.

Margaret Murray publicou seu livro The witch-cult in Western Europe em 1921 [editado no Brasil com
o título O culto das bruxas na Europa Ocidental], numa época em que The golden bough [O ramo de ouro], de Sir James Frazer, e suas ideias sobre fertilidade estavam dominando toda uma geração de escritores.

Influenciada por Frazer e
por sua própria formação como egiptóloga, Murray argumentou que a bruxaria europeia era uma antiga religião da fertilidade baseada no culto de Dianus, o deus chifrudo.

Essa antiga religião, asseverou Murray, sobrevivera à Idade Média e chegara, no mínimo, ao começo do período moderno.

Murray seria acolhida na literatura de ficção como Rose Lorimer em Anglo-Saxon attitudes, de Angus Wilson; a Encyclopædia Britannica usou um artigo seu sobre “bruxaria”
durante décadas; e não foram poucos os historiadores e folcloristas que seguiram sua orientação.

Na Alemanha, Anton Meyer apresentou uma variante
que iria tornar-se muito popular entre as bruxas modernas:a opinião de Meyer
era que essa antiga religião da fertilidade tinha dado maior ênfase à deusa terra
do que ao deus chifrudo.

O moderno saber histórico rejeita a tese de Murray com todas as suas variantes.

Os estudiosos foram longe demais em sua rejeição de Murray, porquanto muitos fragmentos da religião pagã indubitavelmente aparecem na
bruxaria medieval.

Mas subsiste o fato de que a tese de Murray, em seu todo, é
insustentável.

O argumento a favor da sobrevivência de qualquer culto coerente da fertilidade desde a Antiguidade até o presente, passando pela Idade Média,está eivado de falácias:

1. A religião original da qual Murray afirmou derivar a bruxaria era a religião
de Dianus.

Essa religião nunca existiu; é uma combinação criada
artificialmente por Murray com base em características de distintas e divergentes religiões desde a Ásia Menor até o País de Gales.

O argumento de Murray tende a aceitar a polêmica doutrina cristã de que todas as religiões pagãs são análogas.

2. Mesmo que essa religião heterogênea da fertilidade tivesse existido, as provas de sua sobrevivência são totalmente inadequadas.

É certo que o paganismo não se extinguiu ao soar a primeira trombeta do cristianismo, e sobreviveu por mais tempo em algumas regiões – como a Escandinávia e a
Rússia – do que em outras.

Mas no século XII,virtualmente toda a Europa estava convertida.

Fragmentos e resíduos de crenças e práticas pagãs
sobreviveram à conversão em todo o continente e persistiram através da Idade
Média.

Como observou Elliot Rose, “é evidente que muitas festividades populares [...] eram sobrevivências do paganismo; mas isso não é o mesmo que dizer que o paganismo sobreviveu.” E
“para todas aquelas [explicações] que Miss Murray apresentou, não há uma única para a qual não exista uma
alternativa e uma melhor explicação dos fatos”.

3. Só por volta de 1300, mil anos após a conversão de Constantino, apareceu
uma substancial coleção de provas acerca da bruxaria, e essas provas evidenciam que a bruxaria não era uma religião da fertilidade, mas uma heresia cristã baseada no satanismo.

Quer essa bruxaria diabólica realmente existisse ou não, quer tivesse sido ou não inventada pelos cristãos, a tese murrayista não se sustenta.

Se existiam bruxas no período de 1300 a 1700, todas as provas mostram-nas como diabolistas heréticas, e não como pagãs.

Se, por outro lado, os liberais estão certos e a bruxaria era uma invenção, então não existia de forma nenhuma.

Em ambos os casos, a sobrevivência de uma “antiga religião” está fora de cogitação.

4. Existem dois imensos hiatos de tempo nas provas.

O primeiro é o que vai da
conversão até o início da caça às bruxas; o segundo estende-se do final da caça
às bruxas até a publicação de Aradia, de Leland, no fim do século XIX (ver p.184).

Entre as últimas décadas do século XVIII e as primeiras do século XIX não havia prova alguma sobre a existência de bruxaria.

Algumas práticas pagãs
isoladas, sim.

Feitiçaria, sim.

Mas nada de bruxaria como satanismo nem de bruxaria como “a antiga religião”.

Que era uma possibilidade essa “antiga religião” ter persistido secretamente sem deixar qualquer evidência, não há dúvida; tal como é possível que abaixo da superfície da Lua existam extensas jazidas de queijo Roquefort.

Tudo é possível.

Mas é rematada tolice afirmar a existência de alguma coisa para a qual não existem provas evidentes.

Os murrayistas pedem-nos para engolir um sanduíche deveras peculiar: um grande pedaço de evidência errada entre duas fatias de evidência nenhuma.

Uma terceira escola,atualmente a que exerce maior influência, enfatiza a história social da bruxaria, sobretudo o padrão social de acusações de bruxaria.

Esses historiadores admitem, de um modo geral, que a bruxaria (em contraste
com a feitiçaria) nunca existiu realmente, residindo a sua diferença em relação aos liberais obsoletos no fato de atribuírem a crença na bruxaria não às imposturas de uma Igreja perversa, mas a uma superstição geral muito
difundida.

Um quarto grupo de historiadores enfatiza a história das ideias e argumenta que a bruxaria é uma combinação de conceitos gradualmente reunidos ao longo dos séculos.

Desses, a heresia e a teologia cristãs são mais importantes do que o paganismo.

Ambos os grupos ignoraram ou rechaçaram a bruxaria moderna.

Este livro leva em conta tanto a bruxaria histórica como a bruxaria moderna, mas trata-as como fenômenos separados, sem qualquer conexão histórica entre Eles.



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