Capítulo 19

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No corredor da escola na manhã seguinte, Wooyoung me dá um beijo, na frente de todo mundo. 

— Tenho ensaio depois da aula, então não posso te dar carona — ele diz. — Mas não esqueça que vou passar para te pegar às sete pro jantar. 

Ele me dá outro beijo rápido, dessa vez na bochecha, e sai. Eu o vejo se afastando, e tudo em que consigo pensar é na próxima vez em que o verei. 

— Onde você estava ontem à noite? 

Me viro rápido e dou de cara com Yeosang. 

— Mandei umas cinquenta mensagens pra você — ele diz, balançando a cabeça. — Mas não se preocupe, entreguei os cartões postais sozinho. 

— Ai, merda, esqueci. Desculpa mesmo — digo. — Devo ter programado a data errada no celular. 

— Qual é o problema, San? 

Observo ao redor. Preferia ter essa conversa a sós. 

— O prazo de arrecadação de fundos é daqui a uma semana — Yeosang avisa — e parece que você está a mil quilômetros daqui. Não fez nenhum vídeo novo. Não posta no blog há sei lá quanto tempo. 

— Andei ocupado. 

— Ocupado com o quê? — Yeosang pergunta. 

Vivendo? Tentando viver? 

— Estava fazendo, sabe, outras coisas — respondo. — Quanto dinheiro a gente ainda precisa conseguir? 

— Ah, não muito. Só dezessete mil dólares. 

Dezessete mil. Certo, isso são muitos dólares. 

— Olha, tenho certeza de que a gente vai chegar lá. Só precisamos, bem, manter o engajamento. 

— Exato — ele diz, aliviado por eu finalmente estar falando coisa com coisa. — É por isso que estou publicando os e-mails entre você e o Yunho na internet. 

— Espera. Como assim? O que você quer dizer com isso? — A água salgada vai entrando no tanque de repente. — Como você sabe sobre os emails? 

— A sra. Jung me mandou — ele explica. — Só alguns, mas disse que tinha mais um monte. Que você, tipo, não para de levar e-mails novos pra ela. 

— Você não pode fazer isso. 

Ele joga a cabeça para trás, num gesto dramático. 

— Não posso? 

— São conversas particulares. 

— Hum, não são mais. São de domínio público agora. Enfim, era essa a intenção. Quanto mais particulares forem, melhor. É o que as pessoas querem ver. Assumimos um compromisso de mostrar tudo para a nossa comunidade, e dizer a verdade. 

A verdade? Que verdade? Respondo todos os e-mails deles e falo sobre a minha vida. Até publiquei uma selfie. Já não mostrei o suficiente? O que mais “nossa comunidade” quer de mim? 

O relógio de pulso dele apita. 

— Preciso ir, mas vou te mandar uma lista de perguntas para responder. Alguns dos e-mails não fazem sentido. 

— Quê? Como assim? 

— Bom, por exemplo, você disse que a primeira vez em que foi ao pomar foi no dia em que quebrou o braço. Mas depois, em outros e-mails, fala que estavam indo juntos desde outubro do ano passado. 

Essa é fácil de esclarecer. Sabe, na verdade, nunca fui ao pomar. Não sou quem você pensa, Yeosang. 

— Devem ser apenas erros de digitação — digo. — Quero dizer, são só emails. Acho que você está vendo coisa onde não tem. 

Seu antigo sorriso volta com força total. 

— Você pode explicar tudo quando eu te mandar as perguntas. Você sabe o quanto a comunidade adora saber sobre você. 

Ele sai andando. Observo ao redor, tentando avaliar que tipo de cena acabamos de fazer. Na verdade, ninguém estava prestando atenção. Todos — andando, digitando, mexendo nos seus armários — estão absortos demais em suas próprias vidas para se importarem com a minha. 

Eles têm seus próprios namorados e namoradas e melhores amigos e pais (dois) e projetos (sem P maiúsculo). A maioria esqueceu completamente de Jung Yunho. Podem ter contribuído com alguns dólares para a campanha do pomar, mas não porque se importavam em manter a memória de Yunho viva. Estavam só fazendo o que todos os outros fazem. O mesmo que estou tentando fazer: sobreviver ao dia. 

No caminho para a primeira aula, mando mensagem para Jongho. 

Cara.

Jongho:
Ia te mandar mensagem agora.
Meus pais estão fora da cidade esse fim de semana.
A última vez que eles usaram o armário de bebidas foi no Rosh Hashaná de 1997. A gente pode beber o que quiser.

Não posso esse fim de semana.
Tenho que arrecadar dezessete mil dólares.
Lembra do Projeto Yunho?
Em que era pra você estar trabalhando?


Jongho:
Lembra quando você disse que não precisava da minha ajuda? 

Não disse para não fazer nada. 
Sei que você pensa que isso é uma piada, mas não é. 
É importante. 

Jongho:
Pro Yunho. 

Sim, pro Yunho. 


— Interessante você dizer isso. 

Tiro os olhos do celular. É Jongho, em carne e osso. 

— Porque — ele diz, guardando o celular no bolso —, se parar para pensar, a morte do Yunho foi basicamente a melhor coisa que já aconteceu na sua vida, não foi? 

Até para Jongho, essa é uma coisa horrível de se pensar, que dirá dizer em voz alta. 

— Por que está dizendo isso? 

— E aí, San? — diz alguém que passa. 

— Bom, pensa um pouco — Jongho continua. — As pessoas da escola falam com você agora. Você é quase popular, o que é, tipo, o milagre dos milagres. Se Yunho não tivesse morrido, você acha que esse cara que acabou de passar saberia seu nome? Não saberia. Ninguém saberia. 

É verdade. Isso eu não posso negar. Mas essa não é a questão. Nunca foi. 

— Não ligo se as pessoas da escola sabem quem eu sou. Não ligo pra nada disso. Só queria ajudar os Jung. 

— Ajudar os Jung — Jongho repete, como se fosse o slogan de uma empresa. — Você vive dizendo isso. 

— Para de ser escroto. 

— Não, San, você está sendo escroto — ele diz, e sai andando. 

O sinal toca, oficializando o começo do dia letivo. Mas parece uma luta de boxe. Sinto que já passei por uns doze rounds. 

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Sincerely, Me.Onde histórias criam vida. Descubra agora