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No corredor da escola na manhã seguinte, Wooyoung me dá um beijo, na frente de todo mundo.
— Tenho ensaio depois da aula, então não posso te dar carona — ele diz. — Mas não esqueça que vou passar para te pegar às sete pro jantar.
Ele me dá outro beijo rápido, dessa vez na bochecha, e sai. Eu o vejo se afastando, e tudo em que consigo pensar é na próxima vez em que o verei.
— Onde você estava ontem à noite?
Me viro rápido e dou de cara com Yeosang.
— Mandei umas cinquenta mensagens pra você — ele diz, balançando a cabeça. — Mas não se preocupe, entreguei os cartões postais sozinho.
— Ai, merda, esqueci. Desculpa mesmo — digo. — Devo ter programado a data errada no celular.
— Qual é o problema, San?
Observo ao redor. Preferia ter essa conversa a sós.
— O prazo de arrecadação de fundos é daqui a uma semana — Yeosang avisa — e parece que você está a mil quilômetros daqui. Não fez nenhum vídeo novo. Não posta no blog há sei lá quanto tempo.
— Andei ocupado.
— Ocupado com o quê? — Yeosang pergunta.
Vivendo? Tentando viver?
— Estava fazendo, sabe, outras coisas — respondo. — Quanto dinheiro a gente ainda precisa conseguir?
— Ah, não muito. Só dezessete mil dólares.
Dezessete mil. Certo, isso são muitos dólares.
— Olha, tenho certeza de que a gente vai chegar lá. Só precisamos, bem, manter o engajamento.
— Exato — ele diz, aliviado por eu finalmente estar falando coisa com coisa. — É por isso que estou publicando os e-mails entre você e o Yunho na internet.
— Espera. Como assim? O que você quer dizer com isso? — A água salgada vai entrando no tanque de repente. — Como você sabe sobre os emails?
— A sra. Jung me mandou — ele explica. — Só alguns, mas disse que tinha mais um monte. Que você, tipo, não para de levar e-mails novos pra ela.
— Você não pode fazer isso.
Ele joga a cabeça para trás, num gesto dramático.
— Não posso?
— São conversas particulares.
— Hum, não são mais. São de domínio público agora. Enfim, era essa a intenção. Quanto mais particulares forem, melhor. É o que as pessoas querem ver. Assumimos um compromisso de mostrar tudo para a nossa comunidade, e dizer a verdade.
A verdade? Que verdade? Respondo todos os e-mails deles e falo sobre a minha vida. Até publiquei uma selfie. Já não mostrei o suficiente? O que mais “nossa comunidade” quer de mim?
O relógio de pulso dele apita.
— Preciso ir, mas vou te mandar uma lista de perguntas para responder. Alguns dos e-mails não fazem sentido.
— Quê? Como assim?
— Bom, por exemplo, você disse que a primeira vez em que foi ao pomar foi no dia em que quebrou o braço. Mas depois, em outros e-mails, fala que estavam indo juntos desde outubro do ano passado.
Essa é fácil de esclarecer. Sabe, na verdade, nunca fui ao pomar. Não sou quem você pensa, Yeosang.
— Devem ser apenas erros de digitação — digo. — Quero dizer, são só emails. Acho que você está vendo coisa onde não tem.
Seu antigo sorriso volta com força total.
— Você pode explicar tudo quando eu te mandar as perguntas. Você sabe o quanto a comunidade adora saber sobre você.
Ele sai andando. Observo ao redor, tentando avaliar que tipo de cena acabamos de fazer. Na verdade, ninguém estava prestando atenção. Todos — andando, digitando, mexendo nos seus armários — estão absortos demais em suas próprias vidas para se importarem com a minha.
Eles têm seus próprios namorados e namoradas e melhores amigos e pais (dois) e projetos (sem P maiúsculo). A maioria esqueceu completamente de Jung Yunho. Podem ter contribuído com alguns dólares para a campanha do pomar, mas não porque se importavam em manter a memória de Yunho viva. Estavam só fazendo o que todos os outros fazem. O mesmo que estou tentando fazer: sobreviver ao dia.
No caminho para a primeira aula, mando mensagem para Jongho.
Cara.
Jongho:
Ia te mandar mensagem agora.
Meus pais estão fora da cidade esse fim de semana.
A última vez que eles usaram o armário de bebidas foi no Rosh Hashaná de 1997. A gente pode beber o que quiser.Não posso esse fim de semana.
Tenho que arrecadar dezessete mil dólares.
Lembra do Projeto Yunho?
Em que era pra você estar trabalhando?
Jongho:
Lembra quando você disse que não precisava da minha ajuda?Não disse para não fazer nada.
Sei que você pensa que isso é uma piada, mas não é.
É importante.Jongho:
Pro Yunho.Sim, pro Yunho.
— Interessante você dizer isso.Tiro os olhos do celular. É Jongho, em carne e osso.
— Porque — ele diz, guardando o celular no bolso —, se parar para pensar, a morte do Yunho foi basicamente a melhor coisa que já aconteceu na sua vida, não foi?
Até para Jongho, essa é uma coisa horrível de se pensar, que dirá dizer em voz alta.
— Por que está dizendo isso?
— E aí, San? — diz alguém que passa.
— Bom, pensa um pouco — Jongho continua. — As pessoas da escola falam com você agora. Você é quase popular, o que é, tipo, o milagre dos milagres. Se Yunho não tivesse morrido, você acha que esse cara que acabou de passar saberia seu nome? Não saberia. Ninguém saberia.
É verdade. Isso eu não posso negar. Mas essa não é a questão. Nunca foi.
— Não ligo se as pessoas da escola sabem quem eu sou. Não ligo pra nada disso. Só queria ajudar os Jung.
— Ajudar os Jung — Jongho repete, como se fosse o slogan de uma empresa. — Você vive dizendo isso.
— Para de ser escroto.
— Não, San, você está sendo escroto — ele diz, e sai andando.
O sinal toca, oficializando o começo do dia letivo. Mas parece uma luta de boxe. Sinto que já passei por uns doze rounds.
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Sincerely, Me.
Teen FictionChoi San sempre teve muita dificuldade de fazer amigos. Para mudar isso, ele decide seguir as recomendações de seu psicólogo e escrever cartas encorajadoras para si mesmo, com esperança de que seu último ano na escola fosse um pouco melhor. Entret...