Capítulo 23

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Uma visão. 

Encarando o misto de luz e noite, tenho uma visão. 

É a mesma visão que já tive, uma história que já contei, que se tornou real para mim e para todos e, de alguma forma, ainda me parece real agora, mesmo não sendo. Estou no chão, de novo, esperando ajuda, precisando dela, sozinho e indefeso e vazio, e a pessoa que vem à minha mente de novo: ele. 

Ele vem me buscar. 

Pisco, lembrando de onde estou: no meio da rua. Vejo um farol de carro se aproximando. Seria tão fácil ficar aqui parado e não fazer nada, continuar escondido nas sombras e deixar o próximo momento me levar. Todo o tormento chegaria ao fim. 

Toda a minha energia está esgotada, mas me obrigo a me levantar. A última coisa que quero é que os Jung acordem e deem de cara com um acidente sangrento na frente de casa. Mais uma tragédia em suas mãos, depois de todo o sofrimento e a mágoa e a tristeza que já causei. Só quero que eles tenham algo próximo de calma, se não hoje, em breve. Muito, muito em breve. 

Para mim, só existe guerra aqui dentro, uma batalha feroz e interminável pela frente. E tudo bem. Sei que mereço cada minuto angustiante disso. 

Sento no meio-fio enquanto o carro passa. Me encosto em uma árvore à beira da rua. Uma árvore. Mais uma droga de árvore. Elas estão por toda parte, esses lembretes altos. 

Estou sozinho, como mereço estar. Como fui feito para estar. Um zero à esquerda, indigno de qualquer merda. 

Como pude me iludir achando que merecia algo próximo à felicidade? Aceitação? E então enganar os outros para que pensassem o mesmo? Que repulsivo e patético querer algo tão desesperadamente que cheguei ao ponto de me dispor a fazer coisas abomináveis. Estou destroçado. Uma parte defeituosa que não se encaixa e nunca poderá se encaixar no todo. Fingi ser algo mais, mas agora eles me viram como sou de verdade. Como sempre fui. 

Meu celular vibra no bolso. É minha mãe. Ela está me mandando mensagem, implorando para eu ligar para ela. 

Me viro e cravo as unhas no tronco da árvore, pressionando a testa em sua casca, na esperança de arranhar minha pele até ficar em carne viva. Ao contrário daquele dia, meu impulso agora é tentar derrubar a árvore e fazer com que ela caia em cima de mim. Estou cansado de subir. Eu acabaria caindo de qualquer maneira. 

Caindo. Incrível. Continuo fazendo isso. Inventando histórias. Ainda agora, sozinho, no meio da rua, sem ninguém por perto, não consigo ser sincero nem comigo. 

Quando isso finalmente vai acontecer? Porque não existem versões diferentes da história. Só existe uma. Uma história. A verdade. 

Ergo os olhos para a árvore, acompanhando seus galhos que sobem em direção ao céu estrelado. 

— A verdade. 

Dizer isso em voz alta… Pensei que minhas lágrimas haviam se esgotado. As estrelas começam a ficar turvas e girar em poças úmidas. 

Não é uma boa história. Assuma. 

Consertei aquela placa. Aquela placa idiota. 

BEM-VINDO AO PARQUE ESTADUAL ELLISON. DESDE 1927. 

Me dediquei muito a ela. Pensei que ele gostaria, meu pai, que ficaria orgulhoso, qualquer coisa. Mandei a foto do que eu tinha feito para ele. A resposta? Ele tinha algo para compartilhar comigo. Algo especial. Sua própria conquista. Respondeu com outra foto. Um daqueles ultrassons, e uma mensagem: Fala oi pro seu irmãozinho. 

Sincerely, Me.Onde histórias criam vida. Descubra agora