Antes.
Quando conhecemos alguém, alguns sinais ficam aparentes de que rumo aquela relação pode tomar.
Há algo muito peculiar em sentir que algo pode dar errado sem nem ao menos ter ideia do porque.
Pressentimento, premonição, intuição. Karma. Há diversos nomes para isso. Eu costumo dizer, nessas situações, que se trata apenas de infelizes coincidências.
Olhando o homem no final do corredor da biblioteca estadual, a maior biblioteca de nossa cidade, perdido em sua busca por literatura alemã, eu deveria saber.
Como eu poderia evitar o que estava por vir se meu trabalho como estagiária era exatamente auxiliar cada pobre alma incapaz de achar um livro?
Não podia. Não podia prever nada que iria acontecer ao longo do meu dia. Ninguém pode.
Alinhei os óculos no rosto e me dirigi para a fileira alemã.
É difícil não olhar para um homem tão alto e tão bem vestido. Aparentemente, ele era alguns anos mais velho que eu. A camisa social branca tinha mangas até os punhos e os botões dele estavam fechados até a gola. Sem falar da calça e dos sapatos finos. Não era bem uma roupa de quem resolveu tirar um tempo para ler.
Mas lá estava ele, impecável e intelectual. Um pacote e tanto.
— Não está conseguindo achar o que procura? — digo, e ele se sobressalta como se estivesse preso em um transe enquanto passava os dedos pelas lombadas surradas.
Quando o homem se virou para mim, eu tentei manter a compostura, porém o cabelo escuro e desgrenhado, com fios que caiam em sua testa, como se ele tivesse tentado deixar o cabelo comportado mas o mesmo havia se recusado a obedece-lo não facilitavam para mim.
Ele me olhou bem nos olhos, e curiosamente, é um fato, pessoas não olham nos olhos umas das outras assim que se conhecem. Elas olham rapidamente e depois desviam e então olham de novo.
Esse estranho não. Ele me fitou bem nos olhos desde o primeiro segundo.
Seus olhos eram cinzas. Cinzas como brasas que queimaram e ruíram até virar pó. Cinzas como algo que um dia foi quente e de repente deixou de ser.
— Nietzsche — responde. Humm, filósofo alemão. — Além do bem e do mal.
Olhei para a fileira de cima, aonde era suposto que as obras dele estivessem e passei meus olhos por ela.
— Cuidado, se olhar muito tempo para o abismo... — começo, mas ele me interrompe antes que eu conclua.
— Ele olhará de volta para você — completa a referência.
Meu dedo parou no título a qual ele se referiu e eu me estiquei para puxar o livro.
— Já leu? — perguntei. Eram poucas as pessoas que vinham em busca de filosofia ou um pouco de conhecimento que poderia nutrir suas almas.
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3 •Me Esqueça, Por Favor - Blue Sky City
RomancePeter Brooks está no auge dos seus trinta anos, com uma vida profissional invejável, dinheiro de sobra e mulheres caindo aos seus pés não importa a direção que olhe. Nenhum homem iria desejar mais que isso. Não é? Ele achava que sim, até finalmente...