Capítulo 1 - Uma Sinistra Aparição

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Quando e se este escrito for achado por alguém, eu provavelmente estarei morto, ou quem sabe o que pode ter me acontecido. Desde minha juventude aprendi que não se deve subestimar o destino, nem desacreditar de todo no sobrenatural. A vida e a morte são estados relativos, e às vezes um e outro se confundem e habitam o mesmo corpo.

Meu nome neste momento não interessa a ninguém, e creia-me, o narrador nunca será tão importante quanto a história que vai contar, sobretudo em se tratando desta história.

Ademais disto, basta que se saiba que parte dela não cheguei a assistir com meus próprios olhos, e nunca questionei os exageros ou omissões de quem me relatou, mas tudo o que presenciei posso garantir que foi verdadeiramente assombroso.

Corria o ano de mil setecentos e pouco. Sempre era difícil precisar o ano que se estava vivendo, e depois de tanto tempo já não consigo lembrar exatamente. A noite chegou envolta numa névoa cinza e espessa, como um fantasma gigante abraçando o mar. Era impossível enxergar alguma coisa no horizonte até estar muito perto do cais. Talvez por isso ninguém tenha alardeado a aproximação de uma escuna que vinha calmamente para Port Royal, logo no princípio da noite.

Embora fosse o mais importante porto do Caribe, Port Royal era um lugarzinho medíocre para qualquer um acostumado à vida no mar. Nunca havia uma agitação que valesse a pena presenciar; muito diferente de Tortuga, onde bucaneiros de várias partes encontravam diversão, rum e narravam suas aventuras mais infames.

Claro que de vez em quando algum pirata atrevido aparecia nos arredores, mas a cidade não era mais um refúgio para bandidos, agora que a Marinha Britânica dominava o lugar.

Mas alguma coisa naquela noite veio perturbar a paz dos jamaicanos.

No alto do pavilhão não havia uma bandeira que identificasse a origem da embarcação, e mesmo assim ninguém emitiu sinal, nem avisou a guarda portuária. O vigia teve sua atenção furtada para outro ponto do horizonte; pela mesma razão que os marujos a bordo da escuna de dois mastros desviaram sua atenção do cais.

Recortado na neblina, a alguma distância do porto, um galeão parecia flutuar para um rochedo. Embora não fosse incomum ver um navio tão grande no Caribe, avistar um galeão no nevoeiro geralmente era mau sinal.

A aparição permaneceu no horizonte por poucos segundos, e logo só se via o nevoeiro. Então houve um estrondo, e a escuna também havia desaparecido.

Os guardas revistaram a costa imediatamente. Nenhum sinal do galeão foi encontrado, mas os destroços da escuna flutuavam muito perto da baía.

Foi um alvoroço no cais. Alguns guardas se armaram para sair de bote à procura de algum sobrevivente, e outros para percorrer as povoações em busca de algum pirata que tivesse vindo na escuna naufragada. O vigia do porto tremia de pavor, sem conseguir contar exatamente o que vira, mas de seus lábios trêmulos um nome soou familiar a todos: Maestrel!

À menção do nome, o Almirante mandou suspender as buscas por mar, e ordenou que percorressem todos os bares e tavernas procurando algum desconhecido. Era estranho que o navio naufragado não tivesse bandeira, fosse um navio de comércio ou uma nau pirata, e isto inquietou toda a guarda. Todavia não era a tragédia da escuna o que mais preocupava naquela noite.

O galeão que rondava aquelas águas, que fora avistado pelo oficial de vigia era conhecido por marinheiros honestos e bandidos como o sinistro do mar, pois sempre que era avistado de uma embarcação, esta naufragava em seguida, como que reclamada pelo oceano para não testemunhar sua existência.

Sua história era vagamente conhecida: o Maestrel era um navio espanhol; segundo diziam, o mais veloz já construído. Durante vários anos ele navegou pela bandeira de seu país, até ser atacado por corsários holandeses perto do Canal da Mancha. O Corsário que se apossou do Maestrel era conhecido apenas pela alcunha de Sanguinário. A Espanha reclamou a posse de seu navio mandando toda a esquadra da Marinha Real persegui-lo. A partir daí a história se torna mais sombria e incerta.

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