Capítulo 20 - Conversa de Tombadilho

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Três marujos ainda seguravam Toby quando Elena passou pela porta.

– Quem será o próximo felizardo? – murmurou um dos piratas que seguravam Toby, como provocação.

Mas o Capitão saiu atrás dela e gritou diante da balaustrada:

– Ouçam bem, homens: a senhorita aqui faz parte de nossa tripulação agora. Não é nossa prisioneira, tampouco prostituta de bordo. De modo que se alguém se atrever a tocar nela sofrerá uma morte extremamente dolorosa. Entenderam bem?

Um breve murmúrio de protesto ecoou no convés, mas foi logo interrompido por um tiro disparado para o alto por Jenkins, ao lado do timão.

– Entenderam? – repetiu o Capitão, empregando mais autoridade na voz.

Os marujos concordaram, de má vontade. E percebendo isso, o Capitão salientou:

– Todos os que estão aqui assinaram o Código para tripular este navio. Ninguém foi forçado a permanecer a bordo, e nem agora vou forçá-los, tampouco. Quem não estiver de acordo, ou estiver insatisfeito com a conduta com a qual todos concordaram ao serem aceitos nesta tripulação, deve abandonar o navio imediatamente.

Ao lado do Capitão, Elena encarava a todos muito atentamente. As palavras de Flynn subentendiam que se alguém ali não estivesse de acordo com suas ordens, caminharia na prancha naquela mesma hora.

Nenhum marujo se atreveu a protestar, e Toby finalmente teve prova da absoluta autoridade que John Flynn exercia sobre a tripulação do Maestrel. Podia ser um embusteiro se passando pelo Sanguinário holandês, mas todos ali pareciam respeitá-lo e temê-lo o bastante para sequer pensarem em motim.

– Pois bem... – gritou o Capitão. – Estão avisados!

E virando-se com raiva, tornou a se trancar em seu camarote.

Toby se livrou das mãos dos marujos e foi ao encontro de Elena ao pé da escada que dava para o camarote do Capitão.

– Você está bem? – sibilou, preocupado.

– Sim – respondeu ela, aliviada.

– O que houve lá dentro? – Não havia ciúme na voz de Toby, mas certamente algo mais que preocupação, que ela não pôde identificar exatamente.

– Nada – respondeu ela, sem titubear. – O Capitão é um perfeito cavalheiro, não se preocupe.

Os passos duros de Jenkins chacoalharam a escada lateral, que levava ao convés de tombadilho, e assim que se aproximou, o velho deu um tapinha no ombro de Toby, com um sorriso orgulhoso.

– Ah, seu malandrão... – zombou baixinho. – Eu fazendo mau juízo de você, enquanto na verdade você tinha nas mãos um mulherão... – E olhou para Elena. – Com todo o respeito, senhorita.

Toby lhe deu um olhar zangado.

– Sei que vocês não gostam de mim – sussurrou Jenkins –, e eu francamente não simpatizo com nenhum de vocês também, mas vou lhes dar um conselho de amigo: procurem ficar juntos todo o tempo! Mesmo sob a ameaça do Capitão, confiar nesses marujos, sobretudo quando exageram na bebida, é um erro. Fiquem de olhos abertos!

Aquela provavelmente foi a primeira e única vez que Toby não se sentiu irritado depois de ouvir a voz do velho abutre. Sempre protegera Elena sob o disfarce de Theodore Hawkins, e até aquele dia, o único além de Toby que soube que ela era uma mulher, fora Jack Craven, por uma razão muito óbvia: como Capitão do navio da morte, sabia reconhecer o que havia oculto em cada alma que transportava em seu porão. Nunca antes teve que defendê-la de uma tripulação inteira de marujos ávidos por um corpo de mulher.

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