Navegaram submersos ainda por algumas horas, e quando finalmente emergiram, a noite já havia caído e o Maestrel deixou as profundezas do oceano para se embrenhar diretamente no nevoeiro.
Elena não saíra de perto de Toby o dia todo. De vez em quando algum marujo lançava um olhar enviesado ou maldoso em sua direção, mas recuavam diante do olhar fulminante de Toby, sempre escudando a companheira, com os dedos coçando ao redor do cabo da pistola, pronto para defendê-la a qualquer preço.
Toby e Elena jantaram no convés de tombadilho, sob a vigilância aparentemente distraída de Arrow, o timoneiro, sempre silencioso e atento ao curso.
Havia uma inquietude na expressão dela, e Toby imaginava que não fosse somente por causa dos olhares cobiçosos dos marujos. Já estava arrependido de não ter mentido quando ela perguntou se sairiam vivos do Maestrel, mas era melhor que ela soubesse de algumas coisas, agora que estavam tão perto de seu destino.
Na mente dele também havia algo lhe incomodando, e ele não conseguia distanciar muito o pensamento da barganha que ela fizera com o Capitão Flynn para garantir que a tripulação não a molestaria. Nunca antes tivera que se preocupar com essas coisas, e ele realmente não sabia como abordar o assunto.
Toby ficou em silêncio, comendo e bebendo devagar, até que Elena finalmente percebeu que ele havia hesitado várias vezes em dizer alguma coisa.
– O que está te incomodando? – perguntou ela, subitamente, após longo silêncio.
Toby olhou para ela, sem expressão, e enfiou uma grande golada de rum na boca antes de responder:
– Estava pensando que o Capitão reagiu muito favoravelmente ao fato de você ser mulher.
Ao que Elena deu de ombros.
– E o que tem isso? – indagou ela.
– Fiquei me perguntando por quê? – completou Toby. – O que conversaram no camarote dele?
Elena deu um suspiro aborrecido:
– Não me diga que está com ciúme...?
Toby balançou a cabeça para ambos os lados, mas seu olhar dizia o contrário.
– Apenas curioso – arrematou ele.
Elena deu novamente de ombros, com uma expressão irritada. Em seguida narrou brevemente sua conversa com o Capitão. Quando ela terminou, Toby simplesmente assentiu, satisfeito com tudo o que ouvira. Elena era astuta e independente, e sempre soube se defender muito bem de qualquer perigo; isto, entre outras coisas, era o motivo de ele adorá-la tanto.
E quando a expressão dele finalmente relaxou, Elena deu uma risada baixa e zombeteira.
– O que foi? – perguntou Toby, encarando-a com curiosidade.
– Antes de sair do camarote, vi o Capitão tirar um lenço do bolso – contou Elena, sibilando. – Sou capaz de jurar que era um lenço de mulher, bordado com a letra A.
Toby lhe deu um sorriso tranquilo. Nunca ouvira a respeito de nenhuma mulher com quem o Capitão do Maestrel tivesse se envolvido, mas como tinha certeza de que Flynn era um usurpador, não era impossível que houvesse alguma rapariga esperando por ele numa ilha qualquer.
Por alguma razão, a menção do lenço fez Toby se lembrar da antiga algibeira que Flynn costumava usar, até o seu recente encontro com El Falcón Negro. Não sabia muito sobre John Flynn, mas se aquela algibeira era para ele uma espécie de amuleto, era incompreensível que se desfizesse dela no exato momento em que sua vida corria grande perigo. A não ser que fosse mais importante para o Capitão salvar outra pessoa, a quem ele amasse acima de sua própria vida.
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O Galeão Fantasma
AdventureMaestrel, o lendário galeão fantasma, tem assombrado os mares há mais de cem anos. Sua mera presença no horizonte é suficiente para amaldiçoar outros navios que o avistem, e arrastá-los às profundezas do oceano. Disto Toby Reid não tem dúvida, pois...