Capítulo 2 - Os Dois Marujos Na Taverna

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Embora a noite fosse fria, o mar estava calmo. O homem de casaco marrom conseguira se libertar das redes em que ficara preso quando o Doravante afundou, e agora, flutuando sobre uma placa de madeira que restara do navio, usava uma ripa, provavelmente das que formavam as grades da amurada, como remo. Estava em mar aberto, e não tinha certeza sobre a distância que teria de enfrentar para alcançar terra firme, mas ao menos o galeão havia desaparecido.

Nunca, em toda a vida, ele seria capaz de esquecer o que acontecera. Pela segunda noite seguida ele estivera frente a frente com o Maestrel, e consequentemente, a um passo da morte, e por duas vezes fora poupado. Mas era cedo demais para sentir alívio. Tinha consultado a bússola e as estrelas antes de começar a remar, e o lugar para onde ele iria agora ficava na mesma direção em que o galeão seguira.

Quando viu o Maestrel no horizonte pela segunda vez, a bordo do Doravante, ele teve certeza de que os tinha condenado. O galeão fantasma era conhecido por não deixar sobreviventes. Claro que isso não podia ser completamente verdade, de outro modo não haveria quem contasse as histórias dos naufrágios que ele provocava. Todavia ele teve certeza de que o galeão estava à sua procura.

Logo depois da passagem do Maestrel, a correnteza começou a espalhar os pedaços do Doravante, e ele se deixou levar junto à placa de madeira que agora usava como jangada, deixando os poucos sobreviventes para trás. Talvez, sem ele por perto, amaldiçoado pela presença do galeão, os pobres homens tivessem uma chance de serem resgatados com vida.

Ele remou a noite toda, ignorando o cansaço de seus braços, e a dor que lhe oprimia o coração desde que vira de longe seu companheiro despencar ferido no mar. Enquanto se esgueirava para o navio que estava de partida, ele ouviu alguns oficiais comentarem a morte do bandido; se pelo tiro do guarda ou por afogamento, ninguém se importaria em descobrir. O que mais lhe doía era não ter podido ao menos chorar a morte dele um instante.

Quando o dia clareou, o rapaz estava exausto, mas não parava de remar. Teve sorte, pois a correnteza o arrastara para o norte, e lhe poupara algumas milhas a remo. Ainda assim estava muito longe de qualquer lugar.

Perto do meio-dia, quando o sol estava a pino, um navio surgiu no horizonte. A primeira reação do rapaz teria sido se jogar no mar e torcer para não ser visto, mas ao perceber que era um navio mercante, que vinha com uma bandeira britânica no alto do pavilhão, começou a agitar os braços.

Assim que foi resgatado, porém, ele se preocupou em que não descobrissem que ele era o bandido que invadira o gabinete do governador da Jamaica, em Port Royal, apresentando-se apenas como tripulante de uma embarcação que naufragou pouco depois de partir de Hispaniola.

– Íamos para o sul, mas no meio do nevoeiro, acabamos batendo num recife – explicou, ao fim de sua história.

– Isso é realmente uma pena – disse o Capitão, parecendo lamentar. – Se tivéssemos nos adiantado um pouco, talvez resgatássemos outros sobreviventes...

O Capitão mandou trazerem algo para o rapaz comer, e fez algumas perguntas, sem, na verdade, parecer desconfiar de nada. O rapaz de casaco marrom mentiu tão articuladamente sobre o navio fictício que se acidentara, que ele próprio teria sido capaz de acreditar. Foi um alívio quando, depois de um longo diálogo, o Capitão disse que vinham do Panamá. Ficou claro por sua tranquilidade que ele não estava a par do que acontecera há duas noites em Port Royal.

– Infelizmente não podemos levá-lo ao seu porto de destino – disse o Capitão –, pois temos um apertado número de dias para retornar à Inglaterra, mas se quiser, podemos deixá-lo em algum porto ao longo da ilha.

– Eu agradeceria muito – disse o rapaz, sinceramente.

Teve receio de perguntar, mas pelas instruções que ouviu o Capitão dar ao timoneiro, o rapaz percebeu que não estavam muito longe de uma praia qualquer ao norte de Hispaniola. A noite ainda não tinha caído quando ele avistou o porto. Para sua extrema felicidade, do outro lado do canal ele conseguia enxergar uma tartaruga monstruosa flutuando no horizonte: a ilha de Tortuga.

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