Capítulo 27 - A Escapada

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– Estamos condenados! – gritou Alistair, segurando-se num cordame, enquanto o Maestrel mergulhava com a proa ligeiramente inclinada para o fundo do lago. – Morreremos consumidos pelo ácido!

– Cale-se, marujo! – ordenou Jenkins, num brado que soou como uma trovoada.

Gilbert estava abraçado ao mastro principal, com o crucifixo colado aos lábios, que mais tremiam que falavam, mas de seu murmúrio quase indecifrável, eles puderam entender meia dúzia de palavras que indicavam que ele não se apartara de sua oração.

À medida que o Maestrel descia, o ácido parecia recuar para os lados, crescendo ao redor deles como uma imensa parede espelhada cercando todo o navio.

É provável que o Maestrel tenha tocado o fundo do lago, mas ninguém teve coragem de se inclinar para o exterior da embarcação, para conferir se havia terra, areia ou o fogo do inferno debaixo daquele lugar. Todos olhavam espantados para o imenso reflexo do navio, com todas as lâmpadas do convés acesas, como uma infinidade de fantasmas cercando-os de todos os lados.

De repente, o navio deu outro solavanco, mais violento que o primeiro. Um marujo, de nome Ivor, que costumava cuidar da bujarrona, e que só tinha um braço, soltou-se involuntariamente do gurupés com o solavanco do navio, e foi arremessado na parede de ácido, sendo imediatamente reduzido a uma massa escura e indefinida, que desapareceu em menos de um minuto.

Os marujos assistiram horrorizados à morte daquele companheiro, e só puderam esperar que quando o lago descesse sobre eles, sua morte pudesse ser rápida como a dele.

Porém, outro solavanco ainda chacoalhou o Maestrel, fazendo a proa tornar a se alinhar com a popa. Então as paredes do lago mergulharam vigorosamente, deslizando contra o costado, impulsionando o navio para cima com uma força tremenda.

O ácido desceu rapidamente para as profundezas do vale, provocando uma onda bem no centro do lago, que arremessou o Maestrel com uma força sobrenatural em direção à cúpula invisível que os separava do oceano.

Como se mergulhasse de cabeça no mar, o navio transpassou a divisão entre o santuário perdido e as profundezas do oceano, navegando para cima como que arrastado por uma forte correnteza. A água que invadira o convés, recuou rapidamente para a amurada, como um animal que reconhece um território em que foi proibido de pisar.

Logo eles navegavam no túnel aquático que assombrara Toby diante da esquadra dois dias atrás. Os marujos colocaram o navio em curso para a superfície, fazendo-o deslizar como uma espada, rasgando impetuosamente o oceano.

O Maestrel emergiu como um gigante que respira furiosamente depois de quase sucumbir à asfixia. As velas respingavam por todo o convés, e mesmo encharcada, a bandeira agora tremulava vigorosamente no pavilhão, ao sabor do vento.

Os marujos respiraram aliviados por terem retornado vivos desta estranha e apavorante aventura. Gilbert lançou-se de joelhos no meio do convés, agradecendo aos céus por este milagre.

O Capitão deu ordem para fundear, e desceu ao convés para comemorar com os companheiros sua vitória sobre a praga mortal da bruxa de Montserrat. Cálices de rum foram distribuídos a todos os marujos, que desfrutaram duas horas de um merecido descanso na coberta.

Apesar de conservar uma palidez fúnebre, que certamente levaria alguns dias para desaparecer, Flynn tinha agora uma expressão viva e saudável. Os olhos, sem lama nem sangue, recuperaram o tom castanho, similar aos olhos do velho Jenkins.

Durante estas duas horas de descanso, houve um pequeno debate entre o Capitão, seu pai e o Imediato, sobre qual seria o melhor porto de destino. Precisavam reabastecer algumas provisões antes de se lançarem em nova viagem, e os marujos mereciam ter um dia ou dois de folga em terra firme para se restabelecerem dos sustos.

Após breve discussão, decidiram retornar à Tortuga.

Quando o navio foi novamente colocado em curso, Elena decidiu se aproximar e verificar o que o Capitão decidira sobre ela e Toby.

– Dei minha palavra de que os deixaria livres – lembrou John Flynn. – Podem desembarcar em Tortuga ou em qualquer porto no caminho para lá.

– Tortuga está bom para nós – concordou Elena, satisfeita. – Apenas mais uma coisa: quero o diário do meu pai de volta.

Flynn deu de ombros. Como Jenkins já havia garantido, não havia objeções quanto a isso.

O Capitão ergueu a cabeça, segurando-se na amurada, e fechou os olhos, respirando profundamente. Tinha uma expressão leve e feliz, como um jovem que navega pela primeira vez, saboreando o vento no rosto e os salpicos do mar.

Uma ponta do lenço escapava de seu bolso, fazendo Elena se lembrar da história que ele contara sobre a filha do Capitão Pizarro.

– Agora o senhor poderá voltar para Angélica – comentou ela, dando um sorriso satisfeito.

Mas o Capitão deu um suspiro pesado, abrindo os olhos, com melancolia. Lembrou-se do acordo que fizera com Cora em Montserrat. A vela que salvou a vida de Elena custara seu bem mais precioso: o coração de Angélica!

A algibeira que ele deu a ela quando esteve a bordo de El Falcón Negro a livraria da morte, sem dúvida; mas ele sabia que de qualquer modo iria perdê-la. Ao menos pôde evitar, quase à custa do próprio sacrifício, que a magia de Cora tirasse a vida de Angélica.

Foi uma navegação tranquila este regresso, e menos de quatro dias depois, quase ao princípio da noite, o Maestrel fundeou numa fenda entre falésias, onde era possível permanecer escondido no lado norte da ilha de Tortuga. Conforme o prometido, Flynn devolveu o diário do Capitão Henry Morgan a Elena, e os deixou livres para seguirem seu caminho.

Nos dois dias que se seguiram, a tripulação do Maestrel desfrutou as noites agitadas das tavernas de Tortuga, divertindo-se com rum e prostitutas, e de madrugada carregavam provisões através da floresta, até o ancoradouro improvisado onde o navio flutuava.

Na manhã do terceiro dia, mal o sol despontou no horizonte, o Maestrel zarpou. Da penumbra das árvores no bosque, Toby e Elena viram o galeão fantasma se afastar até desaparecer no horizonte sob a forma do brilho branco.


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