Capítulo 6 - Olhos Lamacentos

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Pelos minutos seguintes, a ansiedade e o medo consumiram a mente de Toby, enquanto ele respirava o ar frio da noite, tentando enxergar alguma coisa através do nevoeiro denso e da escuridão. Bud não demoraria a vir arrastá-lo para o porão, e Toby ainda não decidira o que era pior: ser arrastado pelo pirata, ou dormir com os esqueletos.

Tudo ficara silencioso de repente, como se Toby fosse a única alma viva naquele navio. Às vezes ele olhava de soslaio para o castelo de popa, e tinha a forte sensação de que Jenkins o observava da penumbra. Ao mesmo tempo, porém, sentia-se só, como preso em um túmulo enorme, onde o ar acabaria em algumas horas, e a única esperança que lhe restava era a de que uma mínima janela se abrisse pela manhã, por onde ele pudesse respirar.

De súbito, um ruído no convés fez Toby estremecer. Passos suaves de uma botina pesada soavam cada vez mais perto. O rapaz fechou os olhos, sentindo uma agulhada fria atravessando seu corpo desde a cabeça até os pés, e esperou que Bud o agarrasse pelos ombros, como de costume, e o levasse dali.

Todavia ninguém o tocou, mas Toby sentia a presença de alguém ao seu lado, respirando pesadamente perto da amurada. Precisou de quase um minuto para conseguir abrir os olhos, e viu com alívio que era apenas o Imediato, Wayman Gilbert.

– Espero não tê-lo assustado – desculpou-se o homem, sorrindo.

Toby respirou fundo. Aquela era a primeira vez que um dos marujos tentava ser agradável com ele.

– É um tanto desconfortável estar a bordo de um navio como este – continuou Gilbert. – Você se sente meio perdido, solitário... – E rindo-se: – e um tanto enrascado.

Toby riu também.

– Ainda me lembro da primeira noite que passei aqui – prosseguiu o Imediato. – Sentia esse nevoeiro apertando o meu rosto como se eu estivesse preso num túmulo.

Toby o encarou sem expressão. Sentia exatamente a mesma coisa depois de ter passado duas noites a bordo. E ter dormido com os esqueletos no porão só fazia aumentar a morbidez daquele lugar.

Agora, se tinha alguma dúvida de que o Capitão era um embusteiro, as palavras do Imediato acabaram de eliminá-la.

– Esta não é tripulação original do Maestrel, não é? – perguntou Toby, com alguma cautela, embora já soubesse a resposta.

– Muito cuidado com o que diz, rapaz – alertou Gilbert.

– Por quê? – desdenhou Toby. – Se aquele homem que vocês chamam de Capitão não é o Sanguinário holandês...

– Você ainda não o conhece muito bem; está aqui há pouco tempo, mas vai descobrir que há outras razões para temer o Capitão Flynn.

Toby fez uma careta de descrença. Gilbert lhe deu as costas, apertando com força o crucifixo que trazia ao pulso, fazendo menção de se retirar, porém se voltou de repente, como que se lembrando de algo:

– Esta noite você dormirá com a tripulação.

E como uma interrogação permanecesse no rosto do rapaz, explicou:

– Ordens do Capitão.

E tendo dito isto, Gilbert deixou o convés. Toby ficou ainda um tempo perto da amurada, pensativo. Embora naquele dia o Capitão não tenha estado mais mal-humorado que no dia anterior, ele não podia deixar de suspeitar de alguma armadilha por trás deste suposto gesto de boa vontade.

Passado algum tempo, até aquela sensação incômoda de que estavam lhe observando de um dos camarotes do castelo de popa desapareceu. Tudo ficou absolutamente silencioso, e isto era muito mais perturbador que qualquer outra coisa. Toby estava fazendo um esforço enorme para não pensar a respeito, mas se as histórias que ouviu desde que era um garoto sobre o Maestrel eram verdadeiras, naquele exato momento ele estava completamente sozinho a bordo do galeão fantasma. O Capitão, o Imediato, a tripulação, todos estavam mortos em algum lugar entre os camarotes e os deques.

O Galeão FantasmaOnde histórias criam vida. Descubra agora