Elena esperou, aflita por pensar que não conseguiriam atravessar o rio antes que a lava os alcançasse. Toby e Jenkins largaram os cipós jogando-se com toda a força em terra. O corpo de Flynn bateu com força no chão ao cair, e o velho abutre queimou a ponta da botina esquerda na margem do rio no momento da queda.
Toby gritou na direção da chama da lâmpada para que Elena ficasse onde estava. Depois ergueu os olhos para o vale mal iluminado pelo rio de lava. Era pequeno, comparado à magnitude do que representava. E, diferentemente da floresta paradisíaca do outro lado do rio, aquele lugar tinha um aspecto macabro.
Como na margem anterior, vários esqueletos jaziam naquele solo, todos na mesma estranha posição, apertando o peito. Certamente todos eles tiveram a mesma morte extremamente dolorosa.
– Isto é um panteão! – exclamou Toby, olhando com horror ao redor.
– Sim, é um cemitério de malditos – concordou Jenkins, virando o corpo de Flynn. – Nem sempre se soube como sair vivo deste lugar.
Havia algo inquietante na afirmação do velho abutre. Toby sabia o tempo todo como chegar ao vale, mas nunca se perguntou como sairiam dele. Encarou um dos esqueletos com uma expressão assombrada. Talvez tivessem o mesmo destino daqueles pobres desgraçados.
O mais estranho, ele percebia agora, era que não conseguia ver água em nenhum lugar. Mas tinha que estar ali. Aquele lugar era real, portanto a fonte, ou o que quer que fosse, também deveria ser real.
– Não vejo nada além de terra e ossos – murmurou Toby, confuso.
Jenkins, que se certificava de que o corpo do filho não sofrera dano com a queda, ergueu os olhos para Toby.
– Não seja tolo, garoto! – rosnou. E apontou com a cabeça o centro do vale. – A fonte está bem ali.
Toby olhou. Tudo ao redor parecia morto, exceto por uma pequena planta bem no meio do vale. De acordo com as lendas, deveria haver água naquele lugar. O ritual precisava especificamente da água da fonte.
Ele se aproximou devagar. E apesar de não compreender, admitia que havia algo sobrenatural ali, pois a planta estava enraizada sobre uma rocha muito sólida. E mesmo não havendo terra em volta dela, suas folhas eram grandes e vistosas. Era verdadeiramente assombroso!
Toby não conseguia ver o tronco – se é que havia algum –, mas de finíssimos galhos prateados pendiam minúsculos frutos que se assemelhavam a figos, porém muito vermelhos e brilhantes. Toby não se atreveu a tocá-los. Sentiu um calafrio ao finalmente ver a semelhança dos tais figos com corações humanos.
Na base da rocha, pequenas flores brancas em forma de cálice cresciam de um ramo sem folhas, formando uma espécie de coroa em torno da pedra.
Era de uma beleza grotesca que em meio ao cenário de morte, existisse aquele pequeno altar à vida.
Imerso naquela singela contemplação, Toby finalmente percebeu, na quase completa escuridão, um brilho fraco deslizar sobre uma das folhas da planta. Parecia impossível que fosse meramente uma gota de orvalho.
Toby aproximou mais o rosto. Uma fina camada de água deslizava pelas folhas da planta, como se nascesse de seu interior, caindo sobre os cálices brancos e deles transbordando, desaparecendo debaixo da rocha. Era maravilhoso! A própria água que nascia da pequena planta era o que a nutria e mantinha viva!
Parece que ambos estavam certos, no fim das contas, Jenkins e Elena: era realmente uma fonte, embora não se parecesse com uma.
– Não temos muito tempo, Sr. Reid – apressou Jenkins, fazendo Toby emergir de sua estupefação. – Você precisa preparar o elixir.
Toby se voltou para ele. Não tinha a menor ideia do que deveria fazer.
– As flores brancas são as únicas coisas que podem tocar a água – instruiu Jenkins. – Cuidado, não deixe escorrer em seus dedos. Esta água queima quase tanto quanto o ácido do lago. Colha um dos cálices brancos e esprema a seiva do fruto dentro dele. Apenas uma gota de seiva deve bastar; mas não desprenda o fruto da planta!
– Por que não posso colhê-lo? – indagou Toby.
– Apenas faça o que eu disse – apressou Jenkins.
Toby desprendeu cuidadosamente um dos cálices brancos da base da rocha. A textura não era tão diferente da maioria das flores comuns, mas segurava muito rigidamente toda a água que havia em seu interior. Aproximou o pequeno cálice do fruto e espremeu com cuidado. Um mínimo furo se abriu embaixo do figo, de onde uma espécie de óleo avermelhado escorreu muito lentamente, até pingar na superfície da água no cálice, tingindo-a de vermelho sangue.
Tendo feito isso, Toby se voltou para o velho abutre, caminhando o mais rápido que pôde, com cuidado para não derramar a água. O velho havia erguido a cabeça de Flynn sobre seus joelhos, e segurava a boca do Capitão aberta.
– Despeje com cuidado – instruiu.
Toby segurou o queixo de Flynn, e virou o cálice dentro de sua boca aberta, fechando-a em seguida.
A pequena florzinha vazia murchou imediatamente em sua mão. Agora que estava sem a água da fonte, apartada da planta onde nascera, ela não resistiu e morreu.
Jenkins acompanhou o olhar perplexo de Toby, enquanto sustentava a boca do filho fechada, ainda com a cabeça dele abrigada em seus joelhos.
– Quanto tempo até fazer efeito? – indagou Toby.
– Não muito – disse Jenkins, agora sem tirar os olhos do rosto do Capitão.
Toby deu um suspiro profundo.
– Como sabia preparar o elixir? – perguntou, curioso.
– Quando se navega por tanto tempo você ouve muitas histórias – disse Jenkins. – Não é por acaso que este lugar é chamado "vale dos mortos". Estes homens que você vê a nossa volta morreram por profanar o fruto daquela planta. Durante séculos os homens pensaram que para curar seus males ou obter imortalidade precisavam comer o fruto, ignorando que ao se apartarem da planta os figos se convertem no veneno mais poderoso deste mundo. Somente a seiva deve ser misturada à água, sem que o fruto seja colhido; e então ela torna a água num elixir capaz de curar qualquer mal, mesmo que a pessoa esteja à beira da morte.
E deu um suspiro baixo, acariciando suavemente o rosto do filho.
– E se tiver acabado de morrer, ainda pode reviver – acrescentou.
Toby pousou os olhos sobre o rosto do Capitão. Nada parecia diferente. A tez permanecia pálida, e a mancha escura em volta dos olhos fazia parecer que eles haviam sido arrancados de seu rosto. Talvez fosse tarde demais para ele, mas Jenkins permanecia com o olhar esperançoso.
De repente o peito de Flynn se moveu, como se ele tomasse um fôlego profundo. Suas mãos apalparam a terra, enquanto ele abria os olhos devagar. O sangue e a lama haviam desaparecido de suas pupilas, e os lábios cianóticos lentamente recuperavam a cor.
A primeira visão de Flynn ao retornar à vida foi o rosto assombrado de Toby. Levou quase um minuto para conseguir erguer a cabeça. Por um breve instante ele encarou o pequeno altar no meio do vale, com uma expressão aliviada. Depois procurou em seu pescoço a corda da forca de Craven, e pareceu feliz por não encontrá-la.
– Estou vivo! – sibilou, com um sorriso emocionado.
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O Galeão Fantasma
AdventureMaestrel, o lendário galeão fantasma, tem assombrado os mares há mais de cem anos. Sua mera presença no horizonte é suficiente para amaldiçoar outros navios que o avistem, e arrastá-los às profundezas do oceano. Disto Toby Reid não tem dúvida, pois...