Capítulo 7 - O Emissário

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Vindo das profundezas esmagadoras, um monstruoso emaranhado de ossos emergiu à frente do Maestrel. Toda a embarcação era um enorme esqueleto pútrido e repugnante, cujas velas pareciam feitas de pele humana.

Quando o viu, anos atrás, Toby teve certeza de que os ossos que compunham o navio pertenciam aos mortos que ele conduziu ao porto de descanso. Vendo-o agora, cada vez mais perto, ele se perguntava se os ossos do companheiro já não faziam parte da grotesca embarcação.

– O Emissário – anunciou o Capitão Flynn, em voz muito baixa, porém, animada.

Toby olhava impressionado para o enorme esqueleto navegante, que vinha de encontro ao Maestrel. John Flynn esperou pacientemente na proa até que os navios estivessem emparelhados à meia nau, e ordenou que colocassem uma prancha como ponte para que ele abordasse o Emissário.

Bud arrastou Toby pelo braço até a prancha e o fez seguir o Capitão. Atrás dele, os passos duros de Jenkins logo chacoalharam a ponte.

A coberta do navio da morte também era feita de ossos trançados, e entre um e outro era possível enxergar precariamente o escuro deque inferior.

A tripulação se manteve afastada dos visitantes, encarando-os com uma expressão ameaçadora. Eram homens asquerosos, cuja pele estava colada aos ossos, e os olhos sobressaíam em seus rostos como se não houvesse carne nem pálpebras em torno deles. Era difícil imaginar se estavam vivos ou mortos, ou se eram meros zumbis apodrecendo lentamente a bordo do Emissário, mas apesar disso, Toby tinha a impressão de que eles eram muito mais fortes do que qualquer outro homem, na terra ou no mar.

Toby recuou alguns passos, assustado, esbarrando em Jenkins, que o segurou com violência, forçando-o a continuar em frente.

– Foi você quem escolheu estar aqui – lembrou o velho abutre, sibilando.

Havia um tom venenoso em suas palavras, como se o velho Jenkins culpasse Toby pelo mal que estava sobre o Capitão.

John Flynn avançou sem medo pelo convés, olhando altivamente para a tripulação, seguido de perto por Toby, sempre empurrado por Jenkins.

Havia um cheiro forte de jasmins ao redor; um odor que sempre fez Toby pensar em funerais, misturado ao cheiro de corpos apodrecidos. Isso, por si só, já deveria lhe embrulhar o estômago, mas o que inquietava o rapaz era saber que estava prestes a ficar frente a frente com a morte em pessoa.

De repente o Capitão parou ao ver um homem se aproximar com um sorriso animado. Era um homem relativamente jovem – não mais que uns quarenta anos – e não tinha os ossos marcados na pele como o resto da tripulação. Usava um longo capote de couro preto cheio de botões de prata, e tinha uma aparência incrivelmente normal, embora algumas peculiaridades denunciassem que não era um mero mortal: os olhos eram prateados e cintilantes como um espelho, e a pele muito alva para quem vive no mar. Os cabelos muito curtos eram escuros, e a barba pequena ficava bem acentuada e elegante no rosto. Trazia uma argola prateada e pequena na orelha direita, e não usava chapéu.

Quando se aproximou de John Flynn, Toby notou que os dentes, muito brancos, eram pontudos como os de um tubarão.

– Capitão Flynn! – exclamou o estranho homem do capote preto, com uma voz grave e rouca. – Nos encontramos de novo...

– Jack Craven... – cumprimentou Flynn, com um aceno de cabeça.

– Isto é uma miragem? – indagou Jack. – Lembro-me que você jurou nunca mais abordar o meu navio.

A expressão de Toby se mudou em assombro ao perceber que aquele homem era o Capitão do Emissário. Se um humano comum com um estranho legado, ou a própria morte, ele não estava longe de descobrir.

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