A noite os esmagou pesadamente assim que deixaram o naufrágio para trás. Arrow, que reassumira seu posto no timão por volta do meio-dia, agora assobiava distraidamente uma canção que para Toby, talvez por influência do desastre que acabara de presenciar, pareceu fúnebre.
Alguém, com um forte cheiro de rum, subiu as escadas e largou-se na coberta perto do timão. Toby não precisou fazer esforço para reconhecê-lo; seu gorro vermelho o denunciava à distância, mesmo no escuro: era o maldito criado de bordo que pela manhã lhe atirara a água suja de um balde nos pés a mando de Jenkins.
Toby apanhou uma caneca de rum que tinha deixado de lado ainda a pouco, e, pensando pagá-lo na mesma moeda, despejou todo o líquido na cara do patife. Este, porém, bêbado como um porco, apenas lambeu a bebida em volta dos lábios e permaneceu no mesmo lugar.
Toby percebeu em seguida que o marujo viera tirar uma soneca ali em cima, escondido do Capitão, e até pensou em delatá-lo, mas se deteve ao ouvir uma discussão exaltada no convés.
Não pôde compreender como começou, mas ficou aflito ao perceber que era seu companheiro, Theodore Hawkins quem discutia aos gritos com o velho abutre.
– Poupe-me de sua ironia, velho estúpido! – gritou Theodore, aborrecido.
Jenkins deu uma gostosa gargalhada ao ver a irritação que fervia no rosto do rapaz.
– Dê-me uma boa razão para obedecê-lo, menino – desafiou o velho, arrogante como sempre.
Theodore, que aparentemente era mais impulsivo que Toby, desembainhou a espada e investiu violentamente contra o velho, que recuou com um salto, erguendo rapidamente a espada para defender-se, porém ambos foram detidos por um tiro que arrancou a espada da mão de Theodore.
– O que está havendo aqui? – inquiriu o Capitão Flynn, enquanto a fumaça subia da pistola em sua mão.
– Não se mete! – gritou Theodore, avançando contra Jenkins com um facão que trazia ao cinto.
Dois marujos o seguraram rapidamente pelos braços – um deles levou um corte perto do cotovelo, quando o rapaz se debateu para soltar-se –, e Bud tomou a faca de sua mão.
O Capitão desceu muito depressa e avançou para ele com passos duros e o olhar extremamente colérico.
– Como é? – indagou Flynn, quando se chegava ao moço.
E como ele não respondia, agarrou-o com violência pela gola da camisa – muito mais abotoada que a dos demais piratas –, e gritou, baforando forte em seu rosto:
– Como você ousa se dirigir com essa petulância ao seu Capitão, moleque atrevido?
– Você não é meu Capitão! – gritou Theodore de volta, livrando-se das mãos de Flynn, mas sem conseguir se desvencilhar dos marujos que o seguravam.
Toby correu para o convés para tentar deter o companheiro, percebendo que ele estava alterado pelo álcool – e possivelmente pela insônia também –, porém as palavras de Theodore vinham num jorro:
– E se não estou enganado, você nem deveria estar no comando deste navio. Está marcado para morrer, apodrecendo lentamente por causa da praga de uma bruxa, e eu nem quero saber como encontrou este navio, mas de uma coisa eu tenho certeza: você é um embusteiro!
– Pare! – gritou Toby, dando um chacoalhão no companheiro.
O Capitão Flynn empurrou Toby de lado, e erguendo o braço com um movimento brusco, esbofeteou Theodore com as costas da mão com toda a força.
– Chega de dar rum a este moleque insolente! – gritou o Capitão, com o olhar enfurecido, como uma fera que se adianta para estraçalhar a presa. – Cinco chicotadas devem lhe ensinar a respeitar seu Capitão.
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O Galeão Fantasma
AdventureMaestrel, o lendário galeão fantasma, tem assombrado os mares há mais de cem anos. Sua mera presença no horizonte é suficiente para amaldiçoar outros navios que o avistem, e arrastá-los às profundezas do oceano. Disto Toby Reid não tem dúvida, pois...