Capítulo 12 - A Noite do Fantasma No Maestrel

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No convés do Maestrel, Theodore passou a madrugada velando o próprio corpo, que jazia dentro do esquife de vidro. Olhava com tristeza para o seu rosto ligeiramente deformado, onde os cabelos caíam meio emaranhados, deixando sua aparência mais feia e fúnebre.

Depois que o Capitão e os dois homens desembarcaram, Keith, o moleque do cozinheiro, um marujo jovenzinho, de uns quatorze anos, se sentara no convés para lhe fazer companhia. O restante da tripulação havia se dispersado no interior do navio: alguns se recolheram ao alojamento, outros foram beber mais um trago de rum na despensa. O Imediato permaneceu no convés, sentado num barril perto do tombadilho, distraindo-se com uma canção que, inacreditavelmente, fez Theodore se lembrar de uma música sacra.

Por alguns minutos, o fantasma tentou se distrair, conversando baixinho com o jovem pirata. Era curioso ver um menino a bordo do Maestrel, embora Theodore suspeitasse que a aparente juventude de Keith fosse apenas uma ilusão. Afinal, estavam a bordo de um navio fantasma, e o mais provável era que todos ali estivessem parados no tempo, impedidos de envelhecer, de modo que o menino poderia ter muito mais idade do que aparentava.

A certa altura da madrugada, Keith fez um comentário perturbador sobre as mãos de Theodore, sugerindo que pareciam mãos de mulher.

– Exceto pelos calos – acrescentou o moleque.

Theodore franziu o cenho, com uma expressão aborrecida, ao que Keith se desculpou assim que percebeu:

– Não foi minha intenção insultá-lo. É que seus dedos são muito finos e longos, como as mãos das mulheres de Tortuga.

Theodore deu uma gargalhada divertida, mas sua expressão sugeria que não estava de tão bom humor.

– Espero que não esteja falando sério – disse o fantasma, encarando o menino com uma expressão levemente ameaçadora. – Posso esganá-lo com esses dedos finos se vier com gracinhas.

O moleque ergueu as mãos, recuando um pouco, na defensiva.

– Não foi o que eu quis dizer – garantiu.

Mas Theodore continuou a olhá-lo com desconfiança. O velho Jenkins havia feito alguns comentários bastante sugestivos sobre o estranho empenho de Toby em resgatá-lo dos mortos. "Empenho apaixonado" foram as palavras escolhidas pelo velho abutre, e isto deixou o fantasma muito mais atento às insinuações dos marujos.

Por volta das quatro da madrugada, Theodore viu a figura do bote com os três homens recortar-se no nevoeiro, guiado pelo brilho fraco das duas lâmpadas. Assim que subiu a bordo, o Capitão Flynn jogou a moeda ao ar e deu ordem à tripulação para zarpar imediatamente.

– Para o norte a todo o pano! – gritou o Capitão, caminhando apressadamente para o seu camarote, sinalizando para Theodore segui-lo.

Antes de subir à cabine, porém, John Flynn falou um instante com o Imediato, e pelo pouco que Theodore pôde entender, avisava a respeito de uma tempestade que possivelmente encontrariam no caminho.

O velho Jenkins entrou na cabine atrás do Capitão e fechou a porta em seguida. Ambos pareciam exaustos e mal humorados, mas Theodore interessava-se apenas em saber o que a bruxa dissera a seu respeito.

Flynn sentou-se na cadeira atrás de sua mesa de refeições e retirou com cuidado a vela negra de dentro do saco cinzento.

Theodore a fitou por um instante, e como ninguém dissesse nada, perguntou:

– O que é isso?

– Sua passagem para o mundo dos vivos – disse Flynn, com amargura.

Os olhos do fantasma brilharam fascinados, porém o Capitão tornou a guardar a vela no saco e trancou-a numa gaveta do balcão de popa, deixando Theodore confuso.

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