Toby assumiu seu posto com o mesmo empenho do dia anterior. E mesmo tendo certeza de que Flynn se livraria deles tão logo retornassem do vale dos mortos, o rapaz decidiu que seria melhor cumprir logo o compromisso que os prendia ao Maestrel, enquanto secretamente arquitetava uma fuga.
Tão logo o dia se fez claro, o Capitão Flynn estacou na proa com a luneta diante do olho, e lá ficou por longo tempo. Estava mancando um pouco naquela manhã, e seu rosto estava muito mais branco que de costume, contrastando grosseiramente com os olhos vermelhos e lamacentos.
Jenkins passou a manhã toda olhando para Toby e Theodore com um sorriso debochado, todavia os comentários pretenciosos pareciam ter cessado.
Não houve nenhum fato em particular naquela manhã que merecesse menção, até que pouco depois do almoço, Theodore foi incumbido de marear a vela grande do mastro real. Era uma manobra a qual ele estava acostumado, porém, no momento em que ajustava a vela na posição adequada, Theodore tropeçou num balde esquecido pelo criado de bordo do gorro vermelho – embora nenhum dos rapazes acreditasse mais nos "esquecimentos" do marujo –, e caiu desajeitadamente nos braços do Capitão, no exato momento em que ele passava para retornar ao seu camarote.
Flynn aparou involuntariamente a queda do marujo, chocando-se dolorosamente contra a amurada, e precisou agarrar-se no peito de Theodore para não ir ao chão completamente.
Do convés de tombadilho, Toby deu um ganido assustado, ao mesmo tempo em que Theodore tentava se livrar das mãos do Capitão. Todavia Flynn o segurou mais firme, endireitando a postura.
– Me solta! – gritou Theodore, debatendo-se, enquanto Toby corria para ajudá-lo.
O Capitão xingou com um palavrão, ainda com a mão sobre o peito do rapaz, e em seguida abriu um sorriso pretencioso.
– Agora estou entendendo... – murmurou o Capitão, soltando o marujo e arrancando o chapéu de três pontas de sua cabeça, e a amarra dos cabelos.
A cabeleira escura caiu em ondas desleixadas até os ombros, sem causar grande espanto. Todavia, vendo-o agora sem chapéu, com o cabelo emoldurando o rosto liso, suas feições delicadas se tornaram mais evidentes, mesmo com os vergões ainda deformando sua pele.
– Eu posso explicar, Capitão... – interveio Toby, escudando o "companheiro".
– Por quanto tempo pensavam que fossem conseguir esconder que seu amigo Hawkins é uma mulher? – indagou o Capitão, e embora gritasse, o tom escolhido não era de irritação, mas quase de zombaria.
Toby tentou articular uma resposta, mas o Capitão o interrompeu, empurrando-o de lado e dirigindo-se à "companheira".
– Ah, sua cadela falsa! – gritou o Capitão no rosto dela, e voltou-se para a tripulação. – Onde estão os marujos que colocaram o corpo dela no esquife?
Dois marujos deram um passo à frente na aglomeração que se formava ao redor, e o Capitão os olhou com uma expressão curiosa.
– Como foi que vocês, tendo erguido o corpo em suas mãos para colocá-lo no esquife, não perceberam que era uma mulher? – perguntou o Capitão, com a voz tranquila.
Os marujos não responderam, e somente encararam a moça escondida atrás de Toby, com uma expressão abobalhada.
– Deveria amarrar os dois no cesto da gávea por três dias debaixo do sol escaldante para que ficassem mais atentos – rosnou o Capitão, com um sorriso zombeteiro.
E voltando-se ao casal recém-descoberto, fechou a cara numa expressão aborrecida e murmurou entre os dentes:
– Vocês dois têm muito que me explicar...
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Galeão Fantasma
AdventureMaestrel, o lendário galeão fantasma, tem assombrado os mares há mais de cem anos. Sua mera presença no horizonte é suficiente para amaldiçoar outros navios que o avistem, e arrastá-los às profundezas do oceano. Disto Toby Reid não tem dúvida, pois...