Depois de lutar contra os ventos da tempestade, o dia se arrastou monotonamente para aqueles que estavam a bordo do galeão espanhol El Falcón Negro.
Comparado ao trabalho árduo da madrugada, não houve muito que fazer durante a tarde, além de reparar os danos causados pelo furacão, que inacreditavelmente foram mínimos. O maior prejuízo, pelo que parecia, foi sofrido pelas rações de boca. Os espanhóis deviam vir de longa viagem ininterrupta, pois não tinham a bordo carne de porco ou água pura; apenas os terríveis biscoitos duros que Toby odiara amargamente a vida toda e rum. Os biscoitos, aliás, tinham agora um horrível gosto de água salgada que os tornava ainda mais repugnantes.
O Capitão Pizarro observara Toby o dia todo com uma expressão desconfiada, mas não importunou nem a ele nem ao marujo remanescente da escuna do Capitão Keefe.
Este, aliás, parecia se agradar muito de Toby; se por causa de seus modos ou por ser o único inglês a bordo, nunca se pôde saber. Chamava-se Lee Cook. Toby achou graça do nome dele. Parecia alguma expressão vulgar; corrupção natural de idioma, comum ao povo humilde.
Contou que não havia trabalhado para Keefe nem por um ano inteiro. Tinha conhecido o Capitão numa taverna em Tortuga, pouco depois de ser enxotado do navio de um corsário por ter o olho perfurado em batalha. Admitia que a pirataria era mais atraente de todos os ângulos, uma vez que o butim não precisava ser dividido com a coroa, o que fez Toby ter certeza de que a suposta carta de corso de Keefe não passava de uma lenda.
À hora do almoço, Toby se sentou num barril no convés e começou a esfarelar os biscoitos entre seus dedos para tentar engoli-los, lançando de quando em quando um olhar distraído ao horizonte.
Cook havia se disposto a comer com a tripulação no refeitório, mas logo retornou ao convés, queixando-se em voz muito baixa de que ficar lá embaixo ouvindo aqueles homens falando em espanhol acabaria lhe deixando maluco.
O Capitão Pizarro subiu logo atrás dele, trazendo alguns biscoitos dentro de uma panela velha de latão e uma garrafa de rum, e passou para o seu camarote sem olhar para eles, cerrando a porta atrás de si.
Era estranho que ele comesse sozinho em sua cabine, todavia Toby imaginava que o Capitão fizera aquilo para espioná-los através da pequena janela ao lado de sua porta.
– Tem alguma vaga para mim no navio dos seus amigos? – perguntou Cook de repente, depois que o Capitão se fechou no camarote.
Toby teve receio de olhar para ele e delatar sua satisfação em recrutar o voluntário. Sobretudo porque tinha certeza de que seu rosto mostraria uma alegria sádica.
– Imagino que sim – respondeu, emendando as palavras com um gole de rum. – Sempre se precisa de um marujo experiente.
– Ótimo! – agradeceu Cook. – Porque não me agrada a ideia de navegar por muito tempo com esses espanhóis.
Toby não podia se queixar. Não tinha até aquele momento razão alguma para detestar sua estadia em El Falcón Negro. Ninguém o havia ameaçado e ele ainda tinha a vantagem de compreender tudo o que eles diziam, graças ao empenho de Tereza Fernández, sua mãe, uma taverneira espanhola, que nos poucos anos em que viveu com ele, ensinou-lhe sua língua materna. Nenhum daqueles marujos planejava lhes fazer mal. Aparentemente queriam tanto quanto eles próprios que deixassem seu navio o mais cedo possível.
Pizarro saiu de sua cabine poucos minutos depois, e quando ele passava pela porta, Toby teve o vislumbre de outra pessoa dentro do camarote. Não foi mais que um relance, e podia até estar ficando doido, mas Toby tinha quase certeza de que era uma mulher.
Pizarro lançou um olhar furioso para Toby, ao surpreendê-lo forçando os olhos para enxergar dentro de sua cabine, e o rapaz se virou imediatamente, com uma expressão constrangida.
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O Galeão Fantasma
AdventureMaestrel, o lendário galeão fantasma, tem assombrado os mares há mais de cem anos. Sua mera presença no horizonte é suficiente para amaldiçoar outros navios que o avistem, e arrastá-los às profundezas do oceano. Disto Toby Reid não tem dúvida, pois...