Toby retornou ao convés muito antes do amanhecer. Tinha uma aparência cansada. Decerto não conseguira dormir direito, preocupado com o bem-estar de Elena no convés de tombadilho, sob os cuidados duvidosos do velho Jenkins. E mesmo depois de ela ter garantido que estava bem, Toby continuou a olhar para o velho de um modo enviesado; o que curiosamente parecia diverti-lo mais do que aborrecê-lo.
O Capitão saiu de sua cabine ainda antes do início da manhã. A cada dia a aparência de Flynn se tornava mais repugnante: sua tez cada vez mais pálida; uma mancha escura crescia em torno de seus olhos, como uma ferida negra em seu último estágio de necrose. A mesma mancha ornava a pele de suas mãos desde quatro noites atrás, quando visitou a bruxa cega em Montserrat, mas ao redor dos olhos, parecia ainda mais assustadora.
Naquela manhã, Flynn estava insuportavelmente ansioso, em pé diante de seu camarote, buscando no horizonte qualquer sinal de que estavam chegando perto, jogando a moeda ao ar a cada poucos minutos, como quando estavam procurando o navio de ossos. Várias vezes Toby percebeu que o Capitão enrijecia, segurando-se firmemente na balaustrada diante da porta de seu camarote, apertando o peito como se tentasse suportar uma dor extrema.
Quase ao fim da manhã, Elena viu que o Capitão estava prestes a cair e correu em seu socorro. Foi de algum modo louvável o cuidado com que a moça acudiu Flynn, mesmo supondo que ele poderia estar planejando atravessá-los com a espada tão logo tivesse a informação de que precisava. Até o seu companheiro, Toby Reid demonstrou surpresa ao vê-la levar o Capitão para dentro do camarote, e aquela foi a única vez em toda a viagem que o olhar de Toby se encheu de ciúme.
– Se eu soubesse que seria amparado por uma mulher bonita, teria caído há mais tempo – sibilou o Capitão, em tom de brincadeira, quando Elena o colocou sentado na cama.
Mas ela lhe deu um olhar de reprovação ao comentário.
– Por que está sendo gentil comigo? – perguntou Flynn, recobrando a seriedade na voz.
Elena deu de ombros.
– Não tive até agora motivo nenhum para lhe querer mal, Capitão – respondeu.
– Nem pela surra que dei em seu companheiro? – conferiu Flynn.
– Isso me aborreceu – admitiu ela. – Mas não é por isso que vou lhe deixar cair da ponte.
Flynn deu um sorriso sem graça. Elena ajeitou os travesseiros e o ajudou a se recostar.
– Vou buscar um gole de água – disse ela, caminhando para a porta.
– Mande um dos marujos – disse Flynn. – Prefiro que você fique aqui.
Elena assentiu, e gritou da ponte para Keith buscar a água. Em seguida voltou-se, deixando a porta aberta.
– Teu companheiro vai ficar enciumado – disse o Capitão. – E não me agrada parecer fraco, mas não quero morrer sozinho neste camarote.
– Ora, Capitão... – sibilou Elena – Você não vai morrer.
Mas Flynn lhe deu um sorriso desanimado.
– Esta corda não vai me proteger para sempre – sibilou ele, apertando o peito num acesso de dor.
Elena apertou a mão do Capitão, e ele fechou os olhos um instante, respirando profundamente.
– Você disse ao Craven que uma bruxa o amaldiçoou – disse Elena baixinho, sem soltar a mão dele. – A mesma que foram ver em Montserrat, suponho...
Flynn assentiu, abrindo os olhos.
– Por que ela fez isso? – indagou.
– Porque eu a ofendi – disse o Capitão. – Num momento de raiva, eu desejei que ela apodrecesse no inferno com seus feitiços.
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O Galeão Fantasma
AdventureMaestrel, o lendário galeão fantasma, tem assombrado os mares há mais de cem anos. Sua mera presença no horizonte é suficiente para amaldiçoar outros navios que o avistem, e arrastá-los às profundezas do oceano. Disto Toby Reid não tem dúvida, pois...