O Capitão não saiu mais de seu camarote naquela noite. Os marujos se dividiram em dois turnos, para manter a navegação rápida e no curso madrugada adentro.
Toby e Theodore desceram ao alojamento junto com os marujos que ficaram com o trabalho diurno, todavia, por mais que tentasse, Theodore não conseguia manter os olhos fechados. Movia-se inquieto na rede, os olhos atentos como os de uma coruja, sem que lhe viesse o mais leve sono.
Após o que pareceram horas naquela insônia inquietante, Theodore olhou para a rede ao lado, onde Toby dormia profundamente, dando de quando em quando uma ressonada baixa.
Percebendo que seria inútil ficar deitado, Theodore se levantou e subiu ao convés. Pensara em oferecer rendição a um marujo qualquer que quisesse trocar de turno, mas todos os que estavam de serviço demonstraram estar satisfeitos com o turno da noite. Então, percebendo que ficaria de bobeira a madrugada toda, debruçou-se na amurada e encarou o nevoeiro denso com uma expressão entediada, mas no fundo estava bem atento, pronto a ajudar no que fosse preciso.
Tinha se lavado um pouco antes do jantar, tentando se livrar do mau cheiro que a morte deixara impregnado em sua carne, mas ainda restara algum vestígio, provavelmente por causa das feridas ainda abertas em sua pele, que continuavam ardendo aos salpicos do mar. Todavia ele não podia deixar de se sentir grato até por aqueles pequenos incômodos; era um imenso alívio estar vivo de novo.
O timoneiro, um sujeito baixinho e magricela chamado Arrow, estendeu o turno até quase a madrugada, quando foi substituído por um marujo velho, careca e barbudo chamado Angus, mas que a tripulação costumava chamar de Sheep. Theodore imaginou que a razão do apelido fosse o gibão de couro de carneiro muito velho e descascado que o marujo usava, escondendo a corcunda enorme.
De repente ouviu o rangido de uma porta se abrindo no castelo de popa. O velho Jenkins surgiu no convés, com o cachimbo na mão, caminhando lentamente até ele.
– O que faz aqui, moleque? – perguntou Jenkins, com o rosto tranquilo, e de certo modo, bem humorado, embora o tom fosse rude como sempre.
– Estava sem sono – respondeu Theodore monotonamente, tornando a fitar o nevoeiro.
– Depois de ter passado cinco dias morto, achei que estaria cansado.
– Acho que é por isso mesmo. Este corpo repousou demais. Agora não consigo dormir.
– Sei – assentiu Jenkins, enfiando a mão no bolso em busca de um isqueiro. – Muito tempo navegando entre os mortos também me roubou o sono. Às vezes me sinto um zumbi.
Jenkins acendeu calmamente o cachimbo e deu uma pitada curta.
– Espero que não se incomode – disse, de uma forma grosseira, deixando claro que não estava realmente preocupado.
Theodore deu de ombros.
– Não apagaria de qualquer modo – acrescentou o velho.
Fez-se silêncio por alguns minutos, enquanto o velho fumava calmamente o cachimbo, encarando o nevoeiro como se visse nele imagens monótonas.
– Há quanto tempo está junto do Sr. Reid? – perguntou Jenkins, de repente, sem se voltar para o rapaz.
– O que quer dizer? – verificou Theodore, encarando o velho abutre.
– São companheiros... – disse Jenkins, dando de ombros e olhando de esguelha para ele. – Navegam juntos há muito tempo?
Theodore o encarou por quase um minuto, analisando sua expressão. Depois tornou a fitar o nevoeiro, lançando, de quando em quando, um olhar desconfiado para o velho.
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O Galeão Fantasma
AdventureMaestrel, o lendário galeão fantasma, tem assombrado os mares há mais de cem anos. Sua mera presença no horizonte é suficiente para amaldiçoar outros navios que o avistem, e arrastá-los às profundezas do oceano. Disto Toby Reid não tem dúvida, pois...