Capítulo 4 - Envolto No Nevoeiro

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O vento parecia muito favorável à boa navegação naquele dia. Toby deixou a cabine do Capitão atrás dele, e correu a ajudar a tripulação a colocar o navio no curso indicado. Depois da breve conversa que tiveram, o Capitão foi até a proa, e de lá não saiu até à hora do almoço. Verificava o horizonte através de uma luneta a cada poucos minutos, como se esperasse chegar breve a algum lugar.

O Imediato, um homem baixinho e forte, de cabelos negros chamuscados com fios de prata, corria de um lado para outro dando ordens aos homens, parecendo mil vezes mais nervoso que o Capitão.

Toby observava tudo com muito cuidado. Alguma coisa naquele navio não fazia sentido. Em todas as histórias que ouvira sobre o Maestrel e sua tripulação amaldiçoada, jamais lhe parecera que sua navegação fosse tão semelhante à de outro navio qualquer. Imaginava que ele fosse levado pela correnteza ou por um sopro sobrenatural, a vagar pelo oceano sem precisar ser conduzido por ninguém. E embora toda a sua história fosse muito contraditória, o que mais contrastava, sob seu ponto de vista, era a ansiedade que corroía o Capitão.

Desde muito pequeno, Toby ouvira os marujos dizerem a respeito do Maestrel, que após ser engolido pelo oceano, toda a sua perversa tripulação fora arrastada ainda viva ao inferno. Todos, exceto o Capitão Sanguinário, o homem mais cruel que já pisou sobre a Terra. Alguns diziam que seu coração estava tão corrompido, que o Capitão teve sua alma arrancada do corpo e aniquilada. Todavia seu corpo permaneceu vivo, como castigo por sua crueldade. Assim, ele foi amaldiçoado, e condenado a vagar pelos mares até o fim dos tempos em seu navio roubado, envolto pelo nevoeiro, onde só os mortos e aqueles que eram desejados pela morte podiam vê-lo.

Um homem sem alma é como uma bússola sem norte. Em pouco tempo ele se perde e enlouquece por não poder sentir se está vivo ou morto, e se quem está ao seu lado é um companheiro ou um inimigo. Assim o Capitão sucumbiu à sua própria crueldade.

Conta-se ainda que a cada dez anos o Maestrel e seu Capitão desalmado escolhem um marujo quase tão perverso quanto ele, para tripular o navio pela eternidade.

Tudo isso parecia muito distante do que Toby via agora a bordo do temido galeão fantasma. Embora não estivesse de muito bom humor, era notório que aquele Capitão não podia ser tão mau quanto diziam. Toby o viu ter uma conversa bastante civilizada, até demais para um pirata, com o tal Jenkins na taverna em Tortuga, e depois, sozinho com ele no camarote, não pareceu que aquele homem pretendesse realmente torturá-lo mais do que a qualquer outro prisioneiro de um navio pirata comum.

Além disso, de acordo com as histórias, o Capitão Sanguinário que fora desalmado e se tornara um imortal servo da morte era holandês, mas estava claro que aquele homem que se dizia Capitão do Maestrel era inglês, e Toby estava certo de ter ouvido o Imediato chamá-lo de Capitão Flynn durante o trabalho naquela manhã.

Quanto ao resto da tripulação era cedo para afirmar com certeza, mas embora alguns lhe despertassem medo, principalmente pela aparência judiada, a maioria não parecia mais perverso que qualquer outro homem que ele tivesse conhecido. Alguns até lhe despertaram certa simpatia, como o Imediato, que era visivelmente um bom homem, e sabe-se lá por que razão carregava enroscado no pulso o tempo todo um crucifixo.

Durante algum tempo, Toby ficou encostado à amurada a estibordo, observando o Capitão checar nervosamente o horizonte com a luneta. Para um homem que não tinha alma, ele exalava muita preocupação. E mesmo não tendo observado nem mesmo por um dia inteiro, Toby tinha uma forte suspeita de que aquele inglês que era chamado de Capitão não passava de um embusteiro.

O velho Jenkins supervisionara o trabalho dos marujos a manhã toda sem sair do lado do timão, e agora observava muito atentamente a figura de Toby. Seus olhos eram astutos como os de uma coruja e tão poderosos como os de uma águia caçando a presa, e era exatamente por este motivo que sua presença deixava o rapaz tão inseguro.

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