Capítulo-10

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—Seu irmão... não era filho do seu pai?
Paulo perguntou ainda atônito com tudo que Mariana lhe contou. Ele estava atordoado em pensar que ela era apenas uma menina na época, uma criança. Era revoltante imaginar que os pais dela não pensavam no bem estar da filha, em nenhum momento.
Mariana secou as lágrimas que molhavam seu rosto, e se ajeitou no sofá para poder olhá-lo.
—Não era, e a compreensão desse fato fez meu pai enlouquecer. Ele virou outra coisa. Passou a beber de forma descontrolada. Eu ouvia as discussões por causa de dinheiro.
Meu pai se tornou violento com a minha mãe, viviam... brigando pela casa, por qualquer motivo.
Se o bebê chorava, ou precisasse da atenção dela, ele surtava.
Minha mãe nem pôde amamentá-lo, ele não permitiu. Eu tentava manter meu irmão longe deles. Ele ficava no meu quarto, e quando os dois começavam a brigar, eu trancava a porta e o protegia como podia. Ele era só um bebê, não tinha culpa de nada daquilo...
—Você também não tinha querida.
Paulo disse tocando o rosto dela com uma das mãos, ela parecia mergulhada nas lembranças, mas ele queria que ela se lembrasse que ele estava ali.
Mariana segurou a mão de Paulo, mantendo-a em seu rosto. Saber que ele estava perto, lhe dava forças para continuar.
—Meu pai registrou meu irmão, acredito que... por vergonha que os outros soubessem. Mas... ele odiava aquela criança, e eu tinha muito medo do que ele pudesse fazer.
De tudo que eu imaginei que meu pai pudesse fazer, ele decidiu que iriam dá-lo para adoção. Eu... fiquei arrasada, mas acreditava que seria melhor para ele. Se meu pai não suportava ouvir o choro do bebê, eu não queria imaginar como seria quando ele crescesse, e se tornasse uma... lembrança constante do pai.
Minha mãe não teve nenhuma reação, apenas acatou a decisão. Quanto a mim, ninguém perguntou a minha opinião. Meu coração estava dilacerado por perde-lo, mas, eu sabia que era o melhor.
Quando meu irmão fez seis meses, já estava quase tudo resolvido para ele ser adotado, mas... ele ficou doente. A princípio acreditei que fosse um resfriado comum, mas ele foi piorando, mais e mais. Um médico foi a nossa casa para vê-lo, mas foi preciso levá-lo ao hospital. E... foi quando ele foi diagnosticado com leucemia linfoide crônica.
—Deus!
Paulo deixou escapar em um suspiro profundo.
—Ele nunca teve chance.
—E seus pais? Como reagiram a notícia de que o menino estava doente?
Não sentiram remorso? Não se arrependeram?
Mariana olhou para Paulo com o semblante entristecido. Mesmo depois de tudo que ela havia lhe contado sobre os pais, ele ainda buscava qualquer indício de redenção, de humanidade neles. Ela odiaria lhe tirar a esperança, mas não haveria redenção para os pais. Se existia mesmo um inferno... era lá que eles estavam.
—Meu pai ficou possesso quando soube do diagnóstico, a minha mãe, eu não sei dizer.
Quando ela foi me buscar no quarto onde meu irmão estava internado, me disse que íamos embora. Que meu pai não queria uma criança doente em casa.
Eles queriam abandoná-lo no hospital, como se ele não existisse...
Mariana sentia como se tudo estivesse acontecendo outra vez, a revolta que sentiu naquele dia, a raiva, tudo voltava a sua cabeça.
—... Eu não fui com ela. Minha mãe tentou me levar a força, mas eu gritei, disse que ela estava louca, os seguranças apareceram e... a levaram embora dali.
Foi a última vez que a vi.
—Eles fugiram?
—Eles morreram. Sofreram um acidente na rodovia naquela noite. O carro capotou e caiu na ribanceira. Morreram na hora. Pelo menos foi o que me disseram.
Mariana disse sem emoção, o que fez com que Paulo segurasse suas mãos novamente.
Deus! Era muito peso para alguém tão jovem carregar.
Paulo pensou.
—Meu irmão só tinha a mim.
Por sorte eu tinha completado dezoito anos há um mês, então, pude ficar com a guarda dele.
Antes de liberarem os corpos dos meus pais para o enterro, eu soube que nós não tínhamos quase nada. Só a casa, e pouco dinheiro que estava no banco. O carro ficou destruído, e outros bens que estavam no nome do meu pai, o banco tomou como pagamento de dívidas.
Eu fiquei sozinha, com um bebê doente e sem saber como iria poder ajudá-lo. Só a conta do hospital, já levaria quase tudo que nos restou.
—Mariana, você não pensou em...
Paulo não concluiu a pergunta, não sabia como Mariana reagiria a questão. Mas ela entendeu, afinal, essa era a grande questão, não era?
—Procurar o pai do meu irmão?
—Sim.
Mariana secou seu olhos e se voltou para Paulo. Agora ela lhe confidenciaria o motivo de toda a sua culpa.
—No sepultamento dos meus pais. Só havia eu e o advogado. Todos os amigos que viviam nas festas em casa, ninguém apareceu. Mas ele estava lá, quando eu ergui os meus olhos. Como se... simplesmente tivesse se materializado ali. Ele se aproximou, e eu tive que me segurar para não sair correndo dali. Tenho horror aquele homem. Ainda tenho pesadelos com ele.
Mariana respirava com dificuldade, era como vê-lo novamente. Aqueles olhos azuis e frios, a olhavam como se ela fosse um pedaço de carne, ou qualquer coisa que ele desejava.
—Ele disse que... se eu fosse uma boa menina, ele cuidaria de mim e... do meu irmão.
—Mariana...
—Ele disse... que pagaria os melhores médicos do mundo para cuidarem do meu irmão... mas eu tinha...
Mariana se entregou ao choro desesperado e foi amparada por Paulo que também chorava abraçado a ela, por finalmente entender porque ela se culpava.
—Eu não consegui... Paulo, eu... não consegui. Eu tinha nojo daquele homem. Eu fechava os meus olhos e... ainda o via com a minha mãe. Eu não podia... não...
—Não, Mariana é claro que não.
Você não tinha que fazer isso.
—Eu tinha... era a única chance do meu irmão, mas eu não consegui. Eu fugi. Vendi a casa e tudo que tinha dentro. Paguei o hospital e tirei meu irmão de lá. Eu tinha muito medo de que ele descobrisse que o Matheus era filho dele, e me tirasse ele, ou...
—O usasse para te obrigar a fazer o que ele queria.
—É. Fomos para a capital, o médico me deu um encaminhamento, e eu consegui a internação do meu irmão no hospital geral. Nós morávamos lá. Meu irmão precisava de tratamento intensivo, então não podia sair. Eu trabalhava durante o dia, e ficava com ele á noite. E essa foi a nossa vida por quatro anos.
Eu pedi tanto a Deus pela cura dele. Eu perdi a conta de quantas vezes eu me ajoelhei ao lado do leito do meu irmão e pedi, implorei por ajuda, mas ele nunca me ouviu, nunca.
Uma vez, você me perguntou por que eu acreditava que tinha sido abandonada por Deus. Acho que... agora você sabe a resposta.
Mariana disse secando os olhos dele que estavam molhados.
—Mariana, acho que... qualquer coisa que eu diga, vai parecer ofensivo depois de tudo que você passou. Você precisa viver o seu luto. Aceitar que a morte é parte da vida, por mais doloroso que isso seja. Não reprima a tristeza Mariana, deixe-o ir. Viva o seu luto, esse é o primeiro passo para encontrar a cura, para encontrar o perdão.
Não o perdão de Deus, mas... o perdão de si mesma.
Liberte-se querida, você não é culpada por ser vulnerável, por ter medo. Nada disso foi culpa sua. Livre-se dela e saia para a luz. Só assim você irá encontrar seu caminho.
—Eu não tenho um caminho Paulo.
—É claro que tem. Todos temos, ainda que as vezes nos percamos no decorrer da vida, ele sempre está lá, e você sempre pode voltar para ele. E eu estarei aqui, para te ajudar. Você não está mais sozinha.
Deus a trouxe para mim. E Ele não costuma fazer as coisas por acaso Mariana.
Paulo acreditava que a havia encontrado por um propósito. Seu coração estava repleto de sentimentos pela mulher a sua frente, que o olhava totalmente incrédula de suas palavras.
—Eu... não entendo.
—Não é preciso entender para confiar. Só é preciso ter fé. E a fé que lhe falta, eu tenho de sobra.
Paulo disse e beijou cada uma das mãos de Mariana. Porém ela pensava em quão irônicas eram aquelas palavras.
Deus nunca a ouvira antes, e a levara justamente para o único homem que não podia ser dela?
Isso só podia ser castigo. Talvez ela ainda estivesse pagando por alguma coisa que fez em vidas passadas. Essa era a única explicação.
"Saia para a luz Mariana."
"É mais provável que eu o arraste para a minha escuridão, padre."

Imagens meramente ilustrativasTexto ainda sem correção

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Música tema do Capítulo

New Wine- Hillsong Worship/ Vinho Novo

É possível curar tanta dor em um coração?
Paulo acredita que sim.
Espero que tenham gostado do Capítulo. Não esqueçam de votar e comentar 😉
Bjs.

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