-Três semanas, Lucas!
Três semanas que estou aqui, incomunicável, e sem saber quando o tribunal vai me chamar.
Paulo andava de um lado a outro da sacristia, onde Lucas o observava apreensivo. Nunca havia visto o amigo perder a sua calma costumeira, já haviam passado por momentos conturbados no passado, porém, Paulo era sempre aquele que pedia calma.
Lucas se aproximou, e tocou o ombro de Paulo, fazendo com que ele parasse e o olhasse.
-Paulo, você precisa se acalmar. Sabíamos que não seria um processo fácil, tão pouco seria rápido. Eles estão testando você, pondo a sua convicção a prova.
-Pois o que vão conseguir é que eu desista de tudo isso.
Não sei mais se consigo, Lucas. Três semanas e eu já estou enlouquecendo, imagina se isso durar meses, anos... Deus, eu...
-Ei, Paulo o que... o que está acontecendo com você? Onde está sua determinação em fechar esse ciclo da sua vida para iniciar outro? Não era esse o seu discurso, quando saí de São Tomás?
Lucas observava o amigo com atenção, enquanto ele esfregava o rosto e suspirava pesadamente em uma tentativa de buscar a calma dentro de si.
-As coisas mudam Lucas. Enquanto estou aqui, a Mariana está lá, sozinha. Nem notícias eu posso dar a ela, nem aos meus pais. E eu não dei nem mais um passo no caminho que preciso percorrer. Estou aqui, estagnado, e sem saber como ela está.
-Meu amigo, eu entendo a sua aflição, a sua preocupação, mas... se desistir, se abandonar a batina, as coisas serão muito diferentes para você, pense nisso Paulo. Você não poderá se casar, nem assumir nenhum cargo dentro da igreja, e o pior de tudo isso meu amigo, viverá em pecado pelo resto da sua vida. Seus filhos se os tiver, serão frutos desse pecado. Acha que consegue viver com isso?
Paulo sentiu o peso das palavras de Lucas o sacudirem por dentro. "Não" ele não conseguiria viver com aquilo. Nem seria justo com a mulher que ele amava, fazê-la passar por tudo aquilo, pois ele nunca conseguiria se livrar da culpa.
-Eu sei que você tem razão, eu só...
Paulo se sentou em uma poltrona próxima e procurou reorganizar seus pensamentos. Lucas se sentou ao seu lado e aguardou que ele decidisse lhe contar o que estava acontecendo. O motivo de tanta aflição.
As palavras vieram em meio a um suspiro profundo.
-Eu quebrei os meus votos, Lucas.
Paulo disse sem olhá-lo, mas o ouviu rir divertido.
—Qual deles? Ficou milionário por acaso? Por que obediente você nunca... você... a meu Deus!
Lucas ofegou com a percepção do que o amigo acabava de lhe revelar. Ele o olhava com surpresa, mas também com compreensão.
-Paulo...
-Eu sei, fui irresponsável, mas... não me arrependo. Foi... uma prova de amor, que eu quis oferecer a ela. Está feito, e é irremediável.
Entende por que estou enlouquecendo aqui?
-Agora entendo. Mas, por que não disse isso a Dom Euzébio? Ele acredita que pode fazê-lo repensar sua decisão.
-Está na carta que ele se recusou a ler. E agora ele sequer me recebe. Acha que me manter aqui vai me fazer mudar de ideia, mas não vai. Eu nunca mais vestirei uma batina.
Preciso que você me ajude Lucas.
-Como?! Não vejo o que eu possa fazer para ajudá-lo, Paulo.
-Vá até lá, descubra se Dom Euzébio pelo menos enviou minha carta ao tribunal diocesano. Se ele continuar ignorando meu pedido, serei obrigado a ir ao Cardeal, e isso não vai ser bom para nenhum de nós.
Lucas pôde perceber que Paulo estava disposto a tudo para por um fim a sua situação, fosse como fosse. Porém, ele não acreditava que passar por cima do Arcebispo indo direto ao Cardeal, seria uma boa atitude, principalmente para alguém que pretendia continuar ativo na igreja, mesmo depois de deixar a batina.
-Ok, ok Paulo. Espere um pouco mais meu amigo. Isso tudo só vai piorar a sua situação atual. Imagina, comprar uma briga com o Arcebispo.
-Ele está brincando comigo, Lucas. Me tratando como criança, estou aqui de castigo, é isso?
Paulo ficou de pé, voltando a se exaltar. Lucas também se pôs de pé, e ajeitou sua batina, tomando o tempo necessário para pensar no que faria para apagar aquele incêndio, antes que ficasse fora de controle.
-Está certo, eu vou até lá. Tenho mesmo que saber se meu pedido foi acatado. Já estou com tudo pronto para me mudar para São Tomás, só aguardando a decisão da arquidiocese.
Vou até lá e falo com Dom Euzébio, fique calmo Paulo. Por favor, espere notícias minhas, não se precipite. Se tem uma coisa da qual você vai precisar durante esse processo, meu amigo, é paciência.
Paulo viu Lucas sair, e se jogou frustrado na poltrona, onde ficou até o final da tarde.
Acabou pegando no sono ali mesmo, tomado pela exaustão. Acordou com leves batidas na porta.
-Entre!
Disse, olhando as horas em seu relógio de pulso. Já era noite.
-Padre Paulo, esses envelopes foram deixados para o senhor pelo Padre Lucas.
O homem que trabalhava como secretário da arquidiocese, estendeu os envelopes a Paulo, e logo se retirou.
Paulo olhou os envelopes, um deles tinha o selo diocesano. Sentiu o coração acelerar no peito. Teria chegado finalmente a hora?
Pensou enquanto abria o envelope apressado.
Precisou se sentar para conter o nervosismo que o abateu, ao ler o que dizia a carta, que era um chamado diocesano. Uma convocação para se apresentar perante o tribunal diocesano em Roma. Partiria na manhã seguinte.
Ele tentou conter a ansiedade que já o dominava, e abriu o segundo envelope.
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Tentação
RomanceMariana perdeu tudo que amava na vida. Ela só encontrou dor por onde passou. Mesmo sendo ainda tão jovem, ela já não tem perspectivas de futuro. Em seu íntimo ela já desistiu. Descrente de que haja um Deus no céu, pois ela não acredita que um Deus...