Paulo e Mariana seguiram o caminho que os levaria a área rural da cidade. As casas e o comércio foram aos poucos ficando para trás, e a paisagem foi se tornando mais verde.
Vez ou outra algumas pessoas passavam por eles, montados a cavalo, conduzindo carroças, e os cumprimentavam.
Quando passavam perto dos dois, paravam para pedir a benção do padre, e quando de longe, apenas acenavam.
—Você é muito querido por aqui. Não parece que está a tão pouco tempo.
Mariana comentou, quando o último grupo que os parou se foi.
—Acho que meu trabalho com as crianças e os jovens, ajudou bastante nisso. Acabo não sendo só o padre, mas também o professor, o amigo, confidente.
—É uma cidade adorável, meu irmão iria gostar desse lugar.
A voz entristecida saiu em um misto de dor e saudade. Afinal fazia tão pouco tempo que Matheus havia partido, que o coração de Mariana ainda não estava curado e ela sequer sabia se um dia estaria.
—O que aconteceu com seu irmão Mariana?
—Ele morreu de leucemia. Tinha só... quatro anos... mas...
Mariana secou uma lágrima que desceu pelo seu rosto, antes que ela pudesse evitar, e tentou respirar.
—... Nessa curta vida, meu irmão só conheceu dor.
Eu fiz o que pude para que ele ficasse bem, mas... acho que o seu Deus tinha outros planos.
Mariana disse um tanto amarga, mas se arrependeu em seguida. Não era sua intenção dizer algo que pudesse ofender Paulo. Ele não era culpado por nada do que sofrera.
—Me desculpe.
—Não precisa se desculpar, compreendo a sua dor Mariana, entendo que em alguns momentos da vida, alivia a alma se pudermos culpar alguém. Deus não se entristece por você culpá-lo, ele se entristece por você não entedê-lo.
Paulo disse em seu tom amigável, porém Mariana o olhou de forma que transbordava toda a sua indignação. E ela não conseguiu se calar.
—Como eu posso entender um Deus, que tira a vida de uma criança, Paulo? Como eu... posso entender um Ser divino que... simplesmente assiste um menino sofrer por terríveis quatro anos, e não faz absolutamente nada? Nada!
Ela seca mais algumas lágrimas e respira pesadamente.
—Olha, Paulo, eu sei que você acha que pode me fazer enxergar algo, ou qualquer coisa do tipo, mas... eu já te adianto que não vai acontecer. Vamos... só mudar de assunto está bem?
Paulo assentiu e os dois continuaram andando pelo caminho gramado que ladeava a estrada de terra.
—Acho que fui apressado em fazer um julgamento sobre as suas tribulações, Mariana.
Me perdoe, acredito que você precisa me contar do início.
Por que você acredita que foi abandonada por Deus? Conte-me. Prometo apenas ouvi-la.
Paulo a observava com atenção, era visível que algo muito ruim havia acontecido a Mariana, antes mesmo da morte do irmão.
Paulo podia ver em sua face, como se a mera lembrança já a machucasse.
O coração do padre estava entristecido por ver tanta dor no rosto de uma moça tão jovem, tão linda e cheia de vida.
Ele continuou caminhando ao lado dela, dando-lhe o tempo que precisasse para lhe abrir o coração.
Passaram por um pequeno sítio, de onde uma velha senhora lhes acenou da varanda. Os dois responderam ao cumprimento também acenando para ela.
Mariana olhou para Paulo e lhe deu um leve sorriso.
—Podemos falar sobre isso em outro momento? Acho que não vai ficar bem eu chegar com os olhos inchados e vermelhos para minha entrevista de emprego.
Paulo riu da forma criativa que Mariana arranjou para se livrar do questionamento.
—Está bem Mariana, você pode falar quando se sentir a vontade para isso. Eu só quero que saiba, que estou aqui para ouvi-la.
Ela balançou a cabeça concordando, e os dois seguiram o caminho, que agora cortava por entre uma plantação de milho.
—Podemos cortar caminho por aqui, mas não aconselho que faça esse caminho sozinha. É uma cidade pacata, mas não é bom abusar, não é? Prefira sempre seguir pela estrada está bem?
—Está bem.
Depois de mais alguns minutos caminhando por entre a plantação, conversando sobre as fazendas dos arredores de São Tomás e sobre seus moradores, saíram em meio a uma grande área gramada, onde ao longe já se avistava o sítio da família do menino João.
Padre Paulo e Mariana foram muito bem recebidos, partilharam de um maravilhoso café da manhã com a família, enquanto a mãe de João, explicava todas as dificuldades do menino.
—Eu ainda acho que esse menino precisa é de oração.
O pai de João disse, depois de ouvir todo o relato da esposa.
—Bom, podemos fazer um período de experiência. Deixamos que Mariana veja se consegue ajudar o menino por um tempo, se não der certo, pensamos no que fazer depois.
O casal acena concordando, ainda que não muito crédulos de que ela realmente poderia ajudar. O que fez Mariana se lembrar de dona Amélia. Provavelmente, se não fosse pela influência de Paulo, ela não teria conseguido aquele emprego.
—Quando você pode começar Mariana?
A mãe de João perguntou, enquanto levava Mariana para conhecer o menino que tomava seu café com os irmãos na cozinha, aproveitando que padre Paulo e o marido haviam saído para ver as madeiras para a construção das barracas para a festa do padroeiro.
—Posso começar hoje mesmo. A que horas ele vai para a escola?
—João estuda á tarde, na escola municipal perto da igreja.
Você pode vir de manhã, e volta de charrete, quando Pedro for levá-lo.
Mariana sorriu animada com a ideia de não precisar fazer aquela caminhada duas vezes no dia.
—Está ótimo para mim.
Paulo se despediu de Mariana antes de tomar o caminho de volta para a cidade. Ainda tinha muito a fazer naquela manhã.
—Precisamos fazer isso dar certo Mariana, ou terei que ministrar um exorcismo no pobre menino.
Paulo disse, se aproximando para que só Mariana o escutasse.
Mariana conteve uma gargalhada, que quase lhe arrancou lágrimas.
—Prometo... fazer o meu melhor.
Ela disse tentando não rir.
—Fique com Deus Mariana.
O padre se despediu, contente por fazê-la sorrir, enquanto Mariana tentava se recompor do calafrio que lhe percorria a pele, toda vez que Paulo dizia "Mariana".
Com o coração saltando no peito, Mariana se sentou a uma mesa na varanda, junto de seu mais novo pupilo.
A manhã passou rápido, apesar de muito confuso, João era um menino muito experto, e Mariana estava confiante de que conseguiria ajudá-lo.
Após ser convidada a almoçar com a família, Mariana retornou a cidade junto de João e do pai dele, que também levava algumas tábuas para entregar na igreja. Ela acompanhou João até a escola, enquanto Pedro foi fazer sua entrega.
Os homens se juntaram na praça para iniciar a montagem das barracas, levaram toda a tarde nisso, até o início da noite. Foi exaustivo, porém padre Paulo estava feliz por terem conseguido terminar toda as estruturas, faltando apenas a parte dos telhados, que ficaria para o próximo dia.
—Foi um dia muito proveitoso pessoal. Muito obrigado a todos, espero vocês mais tarde.
Paulo se despediu e retornou a paróquia, onde tirou alguns minutos para descansar e fazer suas orações diárias.
Mariana passou a tarde acompanhada por Adele, Angélica e algumas outras mulheres que eram as mães das crianças que faziam parte do coral.
Elas costuraram, colaram, pregaram botões e no final da tarde, mais da metade das roupas das crianças já estavam finalizadas.
Mariana estava contente em poder ajudar, e percebeu que a muito tempo não se sentia tão bem, mesmo que estivesse rodeada por pessoas que acabara de conhecer. Todos eram muito cordiais e solícitos com ela. E quando ela era apresentada, era sempre a amiga do Padre Paulo. Algumas pessoas que ela conheceu naquele dia, já haviam ouvido falar da "Amiga do padre Paulo". Aquilo fazia parecer que eles tinham um vínculo que a cada dia se tornava mais sólido. E isso se tornava também mais e mais perigoso.
—Mariana! Você vem?
Angélica fazia sinal a chamando, e Mariana sequer havia saído do lugar onde estava.
—Ir? Aonde?
Perguntou pegando a mão que a jovem que era alguns anos mais nova que ela, lhe estendia.
—Vamos para a igreja. Hoje o padre Paulo celebra a missa á noite.
Mariana sentiu um nó na garganta. Há anos não assistia uma missa. E não se sentia preparada para fazê-lo. Ou talvez fosse o seu íntimo que não quisesse ver Paulo como ele realmente era. Padre.
—Vocês vêm ou não? Vamos ficar em pé.
Adele, a mais velha das três, apareceu na porta apressando as outras duas.
—Nós estamos indo. Mariana...
Angélica insistiu.
—Sim, sim. Vamos.
Ela respondeu se deixando puxar pelas duas.
Em seu pensamento, Mariana acreditava que, talvez, vendo Paulo vestido em uma batina, celebrando uma missa dentro da igreja, isso faria com que ela o tirasse da cabeça de uma vez.
Afinal de contas, quem é que fantasia com um padre?
Pelo amor de Deus!
Ela repetia para si mesma ao entrar na igreja, porém o sorriso do homem ao vê-la cruzar aquelas portas, fez com que seus pensamentos se perdessem completamente.
Não seria naquela noite que ela o esqueceria de vez.
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Tentação
RomanceMariana perdeu tudo que amava na vida. Ela só encontrou dor por onde passou. Mesmo sendo ainda tão jovem, ela já não tem perspectivas de futuro. Em seu íntimo ela já desistiu. Descrente de que haja um Deus no céu, pois ela não acredita que um Deus...