Mariana acordou cedo para ir conversar com os pais do menino a quem iria dar aulas particulares, uma espécie de reforço escolar. Ela costumava fazer isso quando mudou-se com o irmão da cidade em que nasceram. Estava sozinha, com uma criança para criar, e depois tudo ficou ainda mais complicado. Mariana precisou se dividir entre os dois empregos e os cuidados com o irmão doente.
Foram tempos difíceis, e dolorosos, mas ela não reclamava, só pedia a Deus incessantemente para que o irmão se curasse, e pudesse finalmente deixar o hospital.
Mas isso não aconteceu. O pequeno Matheus perdeu a luta, e se foi, deixando a completamente só, perdida e sem esperanças.
—Querida, você não precisa fazer isso, sabia?
Dona Amélia surgiu do corredor lateral e adentrou a cozinha, onde Mariana já terminava de lavar a louça, após deixar a mesa do café da manhã posta para os donos da hospedaria.
Mariana sorriu para a senhora que a olhava com ternura.
—Não me custa dona Amélia. A senhora e o senhor Olavo estão sendo muito generosos em me deixar ficar aqui.
—Querida, você é nossa convidada, já disse que pode ficar o tempo que precisar.
Mariana sentou-se ao lado de dona Amélia e lhe segurou as mãos.
—Muito, muito obrigada.
Eu vou ver um trabalho hoje, se tudo correr bem, eu já vou poder pagar pela minha estadia.
Mariana disse em meio a um sorriso, porém dona Amélia lhe retribuiu com a expressão fechada.
—Menina, você ouviu alguma coisa do que eu disse?
—Dona Amélia...
A senhora se levantou e a olhou de cima.
—Aqui você é minha convidada, não é hóspede. Se quiser pagar pela estadia, vai ter que arranjar outro lugar para ficar.
Agora vê se pode uma coisa dessas!
Dona Amélia lhe olhava com as duas mãos nos quadris, antes de deixá-la, ainda resmungando alguma coisa, que ela não conseguiu ouvir, e isso fez Mariana rir.
Logo dona Amélia retornou com alguns guardanapos limpos que retirou do varal.
—Está bem, está bem. Não precisa ficar brava. Falamos sobre isso depois, até porque não sei se vou conseguir o trabalho.
—É claro que vai Mariana, imagina se alguém vai recusar uma indicação do Padre Paulo.
Mariana, fingiu uma indignação balançando a cabeça.
—Quer dizer que minha competência profissional não serve de nada?
—Eu não disse isso querida. Mas que a indicação do Padre é meio caminho andado por essas bandas, ah isso é.
As duas riram juntas.
—Ele é incrível mesmo não é?
Mariana disse de forma quase inaudível, porém não conseguiu conter o suspiro, o que fez dona Amélia se virar para Mariana apreensiva.
—Menina, sei que o padre é um homem muito bonito, é jovem, e um ser humano incrível, mas... ele é padre. É como se ele fosse casado, e na verdade ele é, com a igreja. Ele fez uma escolha que deve ser respeitada.
Mariana suspira profundamente.
—Eu já disse isso ao meu coração dona Amélia.
—Então repita querida, e repita, até ele entender.
Dona Amélia beijou a testa de Mariana e a deixou com seus pensamentos.
***
Quando Mariana saiu da hospedaria, ainda era cedo, mas como Paulo havia dito que o sítio onde iria dar aulas ao menino, era um pouco longe, ela achou melhor se adiantar.
Atravessou a rua que ainda estava com pouco movimento e cruzou a praça procurando pelo xale que havia colocado na bolsa, pois ainda estava correndo um vento frio que agitava as folhas das árvores.
Quando Mariana finalmente conseguiu puxar o tecido de lã para fora da bolsa, sentiu um encontrão, que a teria jogado no chão, se não fossem dois braços fortes a segurá-la.
—Mariana, me desculpe! Por Deus, eu machuquei você?
Paulo perguntou ainda a segurando junto de si. Ele a olhava preocupado, pois havia batido forte contra ela. Estava correndo, e não viu quando Mariana surgiu no seu caminho completamente distraída.
—Mariana! Diga alguma coisa, eu a machuquei?
Paulo chamava por ela, que não respondia, Mariana estava em total estado de choque, ela só o olhava, sentia o calor do corpo de Paulo junto ao seu, a respiração ofegante, as gotinhas de suor na testa dele, e o perfume.
Céus, se existia mesmo um inferno, bom, era para lá que ela iria. Era o que ela pensava, antes de voltar a si, e perceber que estava agarrada ao homem que era padre, e bem no meio da praça.
—Mariana!
—Eu... eu estou bem. Estou bem, não foi nada.
Mariana disse tentando se libertar dos braços de Paulo.
—Ei, calma. Você ainda está tonta. Mariana, me desculpe, você surgiu do nada, nem tive tempo de desviar.
—Está... tudo bem, eu só... fiquei um pouco zonza, mas... já passou.
Paulo lhe sorri e só então a solta por completo.
Mariana se afastou mais alguns passos, tentando manter uma distância respeitosa, porém esse gesto só piorou a situação em que já se encontrava.
A essa distância, ela pôde notar o que Paulo vestia, e ele percebeu para onde ela olhava, e sorriu um tanto encabulado.
—Eu... bem, estava correndo.
—Por que?
Paulo riu da carinha confusa que Mariana o olhava.
—Eu estava fazendo uma corrida, faço isso todas as manhãs.
—Ah, claro! Que estupidez a minha. Por isso está vestido assim.
Ela aponta para o conjunto de moletom preto que ele usava.
Paulo acena concordando.
—E você, onde está indo tão cedo?
—Vou ao sítio dos pais do menino, ver o trabalho que você me indicou.
Mariana disse se enrolando no xale, e ajeitando um fio de cabelo atrás da orelha.
—Ah sim, mas ainda é muito cedo. Se você não se importar em esperar alguns minutos, eu posso acompanhá-la até lá.
—Paulo, não precisa, sério. Você já fez muito...
—Eu tenho mesmo que falar com o Pedro sobre a montagem das barracas, Mariana, então... unimos o útil ao agradável.
Ele diz sorrindo de forma tão arrebatadora, que não deixou margem para que Mariana contestasse, se é que ela desejava fazer isso.
—Se é assim.
Paulo apontou para que seguissem para a igreja. Os dois caminharam lado a lado, e ele a conduziu a lateral do prédio da igreja, onde o pequeno portão de madeira levava a casa paroquial, nos fundos.
Paulo abriu a porta e indicou com a mão que ela entrasse.
Mariana olhou ao redor, vendo se alguém os observava.
—Algum problema Mariana?
—Paulo, não quero lhe criar qualquer tipo de problema, você sabe como as pessoas falam, não sabe?
Paulo se aproximou e olhou bem no fundo dos olhos de Mariana, o que fez com que ela estremecesse.
O que ele estava fazendo?
Essa questão estava na cabeça dos dois.
—Estamos fazendo alguma coisa errada Mariana?
—Não, mas...
A proximidade de Paulo, não a deixou concluir a fala.
—O pecado...
Ele toca o indicador na testa de Mariana, olhando-a fixamente.
—...Está na consciência de cada um. A minha está tranquila, a sua está tranquila Mariana?
O coração acelerado quase impediu que as palavras saíssem. Elas saíram, porém não com muita convicção.
—S-sim.
Ele sorriu e voltou a fazer o gesto com mão para que ela entrasse.
Céus, acabei de mentir para um padre! Inferno, aí vou eu.
Ela pensou que seria cômico se não fosse tão trágico.
Mariana não acreditava no céu, então por que haveria de acreditar no inferno?
Foi com esse pensamento que ela cruzou a porta que foi fechada quando Paulo passou por ela.
—Tem café na cafeteira se quiser, fique a vontade. Eu volto já.
Paulo disse deixando Mariana na pequena cozinha.
Ele seguiu por um corredor na lateral deixando-a só.
Mariana soltou o ar que nem se deu conta que estava prendendo com tanto afinco.
—"Sua consciência está tranquila Mariana?" Mas é claro que não padre, o senhor não colabora!
"Fique a vontade Mariana!"
Não me dê idéias padre. Não me dê idéias.
Mariana sussurrava para si mesma, enquanto andava pela cozinha da casa paroquial.
Era um lugar pequeno, mas bem organizado.
Acabou colocando um pouco de café em uma xícara e sentando-se para esperar por Paulo.
Já estava a alguns minutos sentada com sua xícara de café, quando todo o ambiente foi tomado por um perfume inebriante, o perfume dele que ela já havia sentido bem de perto.
Mariana inspirou e suspirou frustrada.
—Isso deveria ser proibido!
Ela disse a si mesma esfregando o rosto com uma das mãos.
—O que deveria ser proibido?
Paulo perguntou quase fazendo com que Mariana derramasse o café, com o susto que tomou com sua aparição repentina. Todo vestido de preto e com o colarinho clerical para lembrá-la de quem ele era, caso ela tivesse esquecido.
O sorriso de lado e a sobrancelha erguida aguardavam uma resposta.
Paulo não conseguia conter a diversão ao ver a cara assustada de sua convidada.
—Café! Café devia ser proibido, e vicia não é?
Mariana disse apressada, tentando conter seu constrangimento.
Paulo ampliou seu sorriso de lado e se serviu também de uma xícara de café.
—Você é viciada em café?
—Eu? Não!
—Então por que a preocupação?
—Bom, eu só... estava falando sozinha, tenho esse costume. Na maior parte do tempo estive só, me acostumei. Mas, nem sempre faz algum sentido, então... só esquece.
—Certo.
Os dois tomam um gole do café, porém Paulo não conseguia desviar o olhar de Mariana.
—Você acabou não me contando a sua história Mariana.
Paulo disse se sentando ao lado dela a mesa e tomando mais um pouco do seu café.
—Acho que devíamos ir, Paulo. Não queria chegar tarde, pode parecer que não estou interessada.
Paulo percebeu que Mariana ainda resistia em lhe contar o que aconteceu em sua vida. Mas ele não estava disposto a desistir.
—Ok, vamos indo então. É uma caminhada e tanto até lá, teremos tempo de sobra para conversar.
Ele sorri daquele jeito que a fazia se estapear mentalmente.
—Você não vai desistir não é?
Paulo abre a porta e lhe faz um gesto para que ela passasse a sua frente.
—Não mesmo.
—Não sou uma alma a procura de salvação padre. Nem mesmo de redenção.
Mariana disse quando eles já estavam caminhando lado a lado na calçada.
—Talvez você seja, só não sabe disso ainda.
Ela o olhou totalmente descrente.
—E esse é o seu negócio? Salvar almas perdidas.
—Não sou o salvador Mariana, mas posso mostrar-lhe o caminho.
Mariana lhe deu um meio sorriso, e aquele sorriso era encantador. Paulo se perguntava por que ela não sorria com tanta frequência. Ele acreditava que realmente podia ajudar.
Naquele momento Mariana pensou que se contasse a ele o caminho que realmente gostaria de tomar, talvez ele desistisse de tentar mostrar-lhe qualquer coisa.
Imagens meramente ilustrativas
Texto ainda sem correçãoMúsica tema do Capítulo
Vivo por ela - Andréa Bocelli e Sandy
Mariana me matando de rir 😂
Amando esses dois cada dia mais 🥰❤️
Espero que estejam gostando.
Não esqueçam de votar e comentar ok 😉
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tentação
RomanceMariana perdeu tudo que amava na vida. Ela só encontrou dor por onde passou. Mesmo sendo ainda tão jovem, ela já não tem perspectivas de futuro. Em seu íntimo ela já desistiu. Descrente de que haja um Deus no céu, pois ela não acredita que um Deus...