Capítulo-8

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Mariana ainda estava indignada consigo mesma. Se questionando, onde ela estava com a cabeça, quando simplesmente escreveu aquele bilhete e o deixou junto do prato com as fatias de bolo que dona Amélia lhe havia pedido para entregar ao padre, quando ela saia para sua aula com o pequeno João.
Como sempre saia cedo para não se atrasar, não custava fazer o favor a gentil senhora. Fora o que ela não admitia nem para si mesma, que adorava a oportunidade de rever Paulo. Porém quando chegou a casa paroquial, ele não estava, ela notou a porta apenas encostada, e decidiu deixar o prato sobre a mesa da cozinha.
Devia ter parado por ali, mas não. Ela tinha que fazê-lo saber que ela esteve ali. E movida por um impulso, escreveu o bilhete.
Ela tentava dizer a si mesma que não fez nada demais.
Foi um simples bom dia, não foi?
-Mariana, essa junta com essa aqui? Não cabe tudo.
João apontava algo no caderno, ao que ela sequer se lembrava do que o menino estava falando. Se sentindo culpada por estar tão distraída desde que chegara, sacudiu a cabeça e dedicou toda a sua atenção a João.
-Não querido. Sempre que o espaço não der, você separa a palavra com um tracinho e continua na linha de baixo. Se a palavra tiver ss ou rr, você separa eles com o traço, entendeu?
-Mas eles são irmãos, não deviam ficar separados.
João apontou a palavra no caderno, sem perceber como o que dissera, afetou Mariana. Ela precisou ser forte para não chorar na frente do menino, que agora a olhava esperando pela explicação.
Sentindo um aperto no coração, ela tentou continuar.
-Nem sempre os... irmãos podem seguir juntos querido. As vezes... como o tracinho na palavra, a vida... nos separa.
-Eu não quero ficar longe dos meus irmãos.
O menino disse entristecido, fazendo com que Mariana o abraçasse meio de lado, para esconder a própria tristeza.
-Talvez você não precise querido. Na maioria das vezes, o ss e o rr estão juntos, não é?
João balançou a cabeça concordando e lhe deu um sorriso satisfeito. O que aqueceu o coração de Mariana e a fez se lembrar do sorriso do irmão. Matheus, mesmo passando praticamente a vida toda em um hospital, sem poder brincar com outras crianças, ou mesmo visitar um parque de diversões, ele ainda assim, encontrava motivos para sorrir.
-Já terminamos por hoje. Você fez tudo direitinho, está cada dia melhor João.
Mariana acariciou a cabeça do menino sorridente.
-A tia disse que vou tirar notas melhores na prova.
-É claro que vai. Eu estou aqui para te ajudar.
Mariana e João guardaram os materiais na mochila do menino, e ela o viu correr para dentro da casa, para começar a se preparar para ir a escola. Ela suspirou entristecida, e seus pensamentos voltaram ao irmão.
Matheus sequer pôde ir a escola. Tanta vida pela frente, tantos sonhos perdidos, e a culpa era de quem?
Talvez Paulo tivesse razão, era muito mais fácil culpar a Deus por tudo, do que assumir a própria culpa.
Mariana secou uma lágrima que desceu pelo seu rosto, ao ouvir os passos de Joana que vinha lhe chamar para o almoço.
No horário de sempre, estava sentada ao lado do menino na charrete conduzida por Pedro, que levava os dois para a cidade. O pai do menino costumava o deixava na escola, e sempre fazia algum serviço de carpintaria na cidade, no horário de aula de João, assim não precisava fazer mais que duas viagens por dia, e ainda ganhava um dinheiro extra para ajudar no sítio. Quando não tinha serviço, costumava ajudar padre Paulo na igreja. O que acontecia naquela semana onde todos da cidade estavam voltados a ajudar nos preparos para a festa do padroeiro.
-A moça vai participar da festa?
Mariana que estava novamente distraída com seus pensamentos, se assustou com a pergunta, era a primeira vez que Pedro falava diretamente com ela na charrete, normalmente ele ia calado ou falava algo com o filho durante o trajeto.
-E-Eu? Não sei. Nunca participei de uma festa religiosa.
Mariana respondeu um tanto nervosa. Pedro riu divertido.
-A festa é do padroeiro da cidade, é uma festa como qualquer outra. Tem música animada, dança, comidas típicas da região e muita, muita bebida.
Mariana acompanhou o riso do homem que agora lhe parecia mais simpático do que nos dias anteriores.
-Mas... então porque é a igreja que organiza tudo?
-Bom, na verdade é o padre Paulo que está muito envolvido dessa vez, o padre anterior não participava tanto. Mas também o homem já era velho não é? Não dava conta mesmo.
Outra risada divertida acompanhou a fala do homem, o que fez Mariana pensar, que aquela era a primeira vez de Paulo na festa. Ele devia estar ansioso.
-A festa dura uma semana, a parte da igreja mesmo, é no dia de São Tomás, ai é com o padre. Tem missa o dia todo, tem procissão do santo, e no final da festa tem uma queima de fogos que é uma belezura só, não é João?
-É sim. Eu tinha medo antes, agora não tenho mais.
Mariana sorriu para o menino ao seu lado que retribuiu.
-Bom, acho que vou precisar ver tudo isso com meus olhos não é?
Ela disse divertida.
-Vai ter a missa na praça na sexta feira, que vai abrir os festejos. O padre Anselmo já não fazia mais essa, mas padre Paulo fez questão de que a missa na praça fizesse parte do evento.
-Ele é maravilhoso mesmo?
Mariana deixou escapar em meio ao suspiro, que ela tentou disfarçar com um sorriso.
Pedro retribuiu.
-O homem é bom mesmo.
Mariana apenas acenou concordando, achou melhor parar com os elogios ao padre, antes que dissesse mais alguma bobagem.
Como passou a ser o seu costume, Pedro deixou Mariana e João na esquina da escola, e seguiu em direção a praça da cidade, onde as barracas estavam sendo finalizadas.
Mariana seguiu levando João pela mão até a porta da escola onde pararam para acompanhar a fila de crianças que entravam.
-Será que vou conseguir passar na leitura? A de hoje é muito difícil.
João a olhou apreensivo, o que fez o coração de Mariana se apertar. Ela se abaixou para ficar da altura dele e lhe sorriu.
-Você vai conseguir João. É só você se lembrar de tudo que estudamos está bem? Tenha calma e não esqueça de respirar.
Você é um menino muito inteligente querido. Não escute nada diferente disso, nunca, ok?
João se apertou a Mariana em um abraço que a pegou de surpresa porém foi rápida em retribuir.
-Eu te adoro Mariana. Espero que a vida não separe a gente.
As palavras do menino lhe atingiram como uma avalanche, e ela agradeceu aos céu por ele ter corrido para dentro da escola, não tendo visto as lágrimas que ela não conseguiu segurar, nem a dor que a invadiu de forma aterradora. Como se uma vez mais ela visse o irmão partindo, e lhe pedindo para não chorar, porque ele não gostava de vê-la chorando. Mas ali, enquanto caminhava sem rumo pela calçada ela se deixou chorar.
Ela sabia que aquela dor não ia passar, que a carregaria consigo pelo resto da vida, mas nos últimos dias ela acreditou estar superando. Porém essa aproximação com João só fazia com que ela se lembrasse mais do irmão. E aquela dor, o sentimento de culpa voltou a invadi-la com intensidade redobrada.
***
Paulo saiu da casa paroquial e se deparou com Pedro, que acabava de prender a charrete em uma árvore.
Se Pedro estava na cidade, então Mariana já havia retornado da fazenda. Ele precisava falar com ela o quanto antes. Prepará-la para um provável encontro com sua mãe, que não pareceu nada satisfeita com a explicação vaga que lhe deu sobre a moça.
Porém, ele realmente queria vê-la, queria perguntar o que foi aquele bilhete? O que ela estava pensando quando o escreveu?
Mas as questões ficariam sem resposta, pois Paulo tinha consciência de que era melhor esquecer tudo aquilo. E fingir que não aconteceu era a melhor alternativa.
-Pedro!
Paulo chamou o homem, que logo tirou o chapéu ao ver o padre se aproximar.
-Sua benção padre!
-Deus te abençoe meu filho.
Paulo disse colocando uma das mãos no ombro de Pedro.
-Pedro você trouxe a Mariana? Preciso falar com ela com certa urgência.
-Trouxe sim padre. Ela foi deixar o João na escola, mas já deve estar voltando por ai.
Paulo agradeceu com um aceno, e voltou na direção da escola. Porém quando a viu, não teve tempo de pensar a respeito, ou, de raciocinar sobre o que fazer. Ele só... correu para ela, atordoado com a possibilidade de que algo a tivesse machucado.
-Mariana! Mariana! O que... aconteceu? Por que está chorando assim?
Mariana se sentiu abraçar por Paulo que a acolhia em seu desespero.
Ela não conseguiu falar, ela não queria falar. Em seu coração ela só queria ficar ali, nos braços dele, onde se sentia segura, protegida. E por algum tempo Mariana só se deixou ficar e chorou tudo que precisava.
Paulo a amparava, percebendo que Mariana precisava colocar toda aquela dor para fora, e se era do seu amparo que ela precisava, ele não se importava que os dois estivessem abraçados no meio da calçada, as vistas de todos que passavam. Ele só pedia a Deus consolo para o coração daquela moça, tão inocente, tão frágil e tão perdida.
Paulo sentia no peito algo novo e perturbador, um desejo desenfreado de protegê-la, de cuidar dela. E lá no fundo ele soube que estava tão perdido quanto ela. Completamente perdido, como ele não se sentia a muitos anos, desde que tivera a certeza da sua vocação, desde que tomara a decisão de dedicar a sua vida única e exclusivamente a Deus. Nunca teve dúvidas de suas escolhas, nunca desejou ter tomado outro caminho. Porém estando ali, sentindo as lágrimas de Mariana molharem a sua camisa, um sentimento crescia dentro de si.
Algo que ele jamais havia experimentado.
-Calma querida, eu estou aqui. E sempre estarei.
Paulo disse a apertando mais contra si. Ela só precisava saber que ele estaria lá, sempre.

 Ela só precisava saber que ele estaria lá, sempre

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João

Imagens meramente ilustrativasTexto ainda sem correção

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Música tema do Capítulo

A Miragem- Marcus Viana

Capítulo lindo para vocês 😍
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As músicas tema dos capítulos estão na playlist Tentação no Spotify 😘

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