Já fazia algum tempo que Paulo estava sentado, com o queixo apoiado nos punhos, observando Mariana, que estava sentada em uma das poltronas dispostas na sacristia, de frente para ele. Porém era visível que ela não estava ali. Ela estava longe, com o olhar fixo nas próprias mãos que ela mantinha sobre o colo.
Paulo estava decidido a ficar ali com Mariana, até que ela estivesse pronta para lhe contar o porquê de tanta tristeza.
Havia a levado para a igreja, pois não podia levá-la a casa paroquial, já que sua mãe estava descansando lá quando ele saiu.
Ele ainda se sentia estranho, pelos sentimentos que o inundavam quase a ponto de sufocá-lo. Ele sabia que em algum momento, também precisaria falar com alguém sobre aquilo.
—Você deve... ter muito o que fazer Paulo, não precisa mais ficar aqui. Me deixe ficar só mais um pouco, logo também irei.
Mariana disse, ainda sem olhá-lo. O rosto estava vermelho e os olhos inchados de tanto chorar.
Paulo ergueu a cabeça para olhá-la.
—Eu não vou a lugar nenhum Mariana. Não enquanto não tiver certeza de que está bem.
E você pode ficar o tempo que precisar, não há pressa.
Mariana voltou a chorar, mas tentou conter as lágrimas, ela se sentia sufocar.
—Eu não posso... me confessar com você.
Ela disse por entre as lágrimas, e essas palavras fizeram Paulo sair da sua poltrona e se sentar ao lado dela.
—Mas você pode conversar comigo. Eu não preciso ser o seu confessor, Mariana. Eu posso ser seu amigo, ouvinte, confidente, ou... o que você precisar que eu seja.
Paulo pegou as mãos de Mariana para enfatizar o que dizia, e conseguiu capturar o seu olhar ainda molhado pelas lágrimas.
Ela balançou a cabeça em negativo.
—Você não pode ser... o que eu preciso.
Mariana disse com suas mãos ainda presas as dele. Seu coração queria poder dizer a Paulo tudo o que sentia. Toda a solidão que sentia, e de como ele havia preenchido o imenso vazio que tinha dentro de si, mas ela não podia, não era justo com ele.
—Talvez não, mas aceite o que eu posso ser. Aceite o que eu posso lhe oferecer Mariana.
Paulo viu Mariana puxar uma respiração profunda e segurar com mais força em suas mãos, como se ela precisasse daquilo para se manter firme.
—Eu... vivia com meus pais na Vila do Sol. Era longe da capital, mas não chegava a ser uma cidade pequena.
Nunca conheci outros parentes, éramos só nós três desde que me lembro.
Meus pais tinham uma boa condição financeira, sempre estudei em bons colégios, tínhamos uma boa vida. Pelo menos, era o que eu acreditava...
Mariana libertou uma das mãos para secar uma lágrima que desceu pelo rosto ao se lembrar daquele tempo. Um tempo em que ela era feliz.
Paulo apenas a incentivava com o olhar. Daria a ela todo o tempo de que ela precisasse, porém seu coração se apertava no peito ao ver a expressão de dor de Mariana. Ele queria muito poder dividir aquele peso com ela. Mas ela precisava querer.
—... Meus pais gostavam muito de festas. Eles davam muitas delas. As vezes duas três no mês. As festas aconteciam, mas eu não podia participar. Minha mãe sempre me dizia que não eram festas para criança. E assim eu cresci. Sempre ciente de que, nas noites de festa, eu não deveria sair do quarto. E eu não saia, até porque minha mãe trancava a porta com a chave, para garantir que eu não sairia.
A expressão confusa no rosto de Paulo, fez Mariana se afastar dele. Ela dobrou as pernas e as juntou ao corpo sobre a poltrona as abraçando em seguida. O olhar se tornou perdido, como se ela viajasse para o momento que descrevia.
—Uma vez, quando eu tinha dezesseis anos, teve uma festa na casa de uma amiga. Todos os colegas da escola foram convidados, inclusive um namoradinho que eu tinha na época. Minha mãe me deixou ir, desde que eu dormisse na casa da amiga, porque haveria mais uma das festas deles em casa.
Eu combinei tudo com a minha amiga, e na hora marcada, meu pai foi me levar...
Mariana fechou os olhos com força. A mera lembrança daquele dia lhe causava um tormento que era impossível supor. Era difícil respirar, mas agora que havia começado, ela precisava ir adiante. Não suportava mais guardar tudo aquilo dentro de si.
—Respira Mariana, só... deixe sair.
Mariana puxou o ar mais uma vez e o soltou devagar.
—Eu deveria ter ficado na festa, deveria ter dormido na casa da minha amiga, mas... acabei brigando com o garoto que era meu namorado, e... não quis mais ficar ali. Eu liguei para casa, para o celular dos meus pais, mas eles não me atenderam. Eu só... queria ir pra casa, então chamei um táxi e fui. Já era tarde, achei que a festa na minha casa já tivesse acabado, mas... ainda haviam muitos carros estacionados na frente. Então pensei em passar despercebida. Eu só precisava subir a escada na lateral da sala, e estaria no meu quarto.
A música estava alta, algumas pessoas estavam falando alto, dançando, eu tentei nem olhar, mas era impossível não notar nas pessoas. Elas estavam... quase todas... sem roupas.
Mariana tampou o rosto com as mãos, tamanho o constrangimento que sentia. Não, era mais do que constrangimento, ela se sentia enojada, sempre que era obrigada a se lembrar daquele dia.
—Eu-eu tentei correr para subir os degraus, e... acabei caindo alguns degraus acima, o que me deu... uma visão que... ainda me atormenta nos meus piores pesadelos.
Minha mãe estava... nua no colo de um homem, e o meu pai estava... sentado olhando aquilo.
Eu fiquei petrificada ali, não conseguia sair do lugar, por mais que eu tentasse.
Foi então que o homem me viu, ele fixou aqueles olhos azuis em mim e sorriu, como se... tudo aquilo fosse normal.
Meu pai estava de costas para mim, mas notou o olhar do homem, e se virou. Quando me viu, ele se levantou e foi até onde eu estava e... me disse que... se eu não pretendia... ficar, era melhor eu subir.
Mariana olhou para Paulo com os olhos tomados pelas lágrimas que ela se esforçava para conter.
—O meu pai, me disse isso. Sem... nenhum remorso. Ele apenas disse.
Eu, tirei forças nem sei de onde e corri. Me tranquei no quarto, pus uma... cadeira para travar a maçaneta, de tanto medo que eu sentia. Eu... não conhecia aquela gente. Na minha cabeça, alguma coisa havia acontecido com meus pais. Aqueles ali, não podiam ser eles. Mas o pior, foi ouvir os passos no corredor um tempo depois, e ouvir alguém tentando girar a maçaneta algumas vezes.
O meu mundo acabou naquele dia. Eu nunca mais tive paz naquela casa.
Mariana voltou a chorar destruída pelas lembranças. Paulo se aproximou e puxou-a para si. Ele podia sentir a dor dela, e estava devastado com tudo o que ouviu. Estava desesperado com um pensamento que o estava tomando. Ele não queria perguntar, queria que ela falasse, mas... ele precisava saber.
—Mariana...
Paulo a fez olhá-lo.
—Eles... a machucaram? Fisicamente?
Ele perguntou tentando conter o próprio desespero. Mariana balançou a cabeça negando, o que o fez soltar o ar com força, e trazê-la novamente para o seu abraço.
—No dia seguinte, minha mãe disse que a culpa era minha. Que eu não deveria ter voltado pra casa sem avisar.
Eu pedi, implorei a ela que colocasse uma tranca na minha porta por dentro, porque eu estava com medo, mas ela me ignorou. E foram... várias noites em claro. Sempre que tinha festa, eu ouvia os passos no corredor e depois via a maçaneta girar. Eu chorava em desespero, não sabia o que fazer. Eu só continuei insistindo com a minha mãe, porque com o meu pai, eu... não tinha mais coragem de falar, mal... conseguia olhá-lo nos olhos.
Um dia, quando cheguei da escola, a tranca estava na porta, duas na verdade. E quando eu perguntei a minha mãe, ela disse que tinha sido o meu pai.
Mariana respirou profundamente sem se afastar dos braços de Paulo.
—Você... chegou a desconfiar dele?
Mariana balançou a cabeça concordando.
—Era como se... ele não fosse mais o meu pai.
Eles destruíram a minha inocência, eu só conseguia sentir medo. Todas as noites eu pedia a Deus, para não ouvir, para não lembrar, mas eu ouvia e lembrava como se acontecesse outra e outra vez na minha cabeça.
Mesmo com as trancas, sempre haviam os passos e a maçaneta sendo girada.
Mas... eu cheguei a acreditar que... as coisas podiam melhorar, que ainda poderíamos voltar a ser a família que éramos antes.
Minha mãe estava grávida, e... quando soube que era um menino, meu pai ficou eufórico, feliz mesmo. As festas pararam de acontecer. Pelo menos não em casa. Mas... algumas noites meus pais saiam e voltavam muito tarde. Eu sabia, porque simplesmente não dormia. Mas com o avançar da gravidez, eles já não saiam mais. E eu tive esperança, e pedia a Deus todos os dias para que meu irmão viesse para colocar as coisas no lugar. Eu acreditava nisso, cada vez que via meus pais juntos, felizes esperando aquele bebê.
Mas... Deus não me ouviu, acho que... Ele não habitava naquela casa.
Quando minha mãe deu a luz aquele menino, que... eu vi aqueles olhos, tão brilhantes e tão... azuis como um oceano em dia de Sol. Eu soube que... não teria volta.Imagens meramente ilustrativas
Texto ainda sem correçãoMúsica tema do Capítulo
On last cry- Marina Elali/ Uma última lágrima
Mariana decidiu abrir seu coração para Paulo 😥
Muitas revelações nós próximos capítulos 😉
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Tentação
RomanceMariana perdeu tudo que amava na vida. Ela só encontrou dor por onde passou. Mesmo sendo ainda tão jovem, ela já não tem perspectivas de futuro. Em seu íntimo ela já desistiu. Descrente de que haja um Deus no céu, pois ela não acredita que um Deus...