Paulo ainda estava de joelhos diante do sacrário, em meio a suas orações. Confuso e dividido entre pedir perdão ou se culpar por ter provocado tudo que se deu.
Seu coração doeu por ter saído do quarto de Mariana daquela forma intempestiva. Porém, não podia ficar mais um segundo ali, perto dela. E só agora, finalmente entendia toda a apreensão de Mariana sempre que ele se aproximava. Agora ele também sentia, pois sua conciência pesava com os pensamentos que povoam sua mente, no curto caminho que fizera até chegar a igreja e se jogar de joelhos diante do santíssimo.
Paulo sabia que precisava conversar com seu confessor com urgência, porém não teria como faze-lo, até o final da festa do padroeiro.
—Meu Deus, o senhor conhece o meu íntimo, sabe tudo que abrigo em meus sentimentos, conhece o que há no mais profundo do meu coração e da minha alma. O Senhor me conhece até melhor do que eu mesmo. Por favor, me ajude a entender o que se passa comigo.
Eu acredito que posso ajudá-la a sair da imensa escuridão que habita seu coração, acredito que possa colocá-la de volta ao caminho da fé, porém... não sei se posso fazer isso sem... me deixar tocar por ela. Eu... acreditava que podia, mas não sei mais.
Preciso do seu conselho Senhor, nunca encontrei alguém que precisasse tanto estar na sua presença como ela, mas também acredito que devo me afastar.
Uma imensa agonia enchia o coração de Paulo. Ele estava completamente dividido entre o dever como padre e o certo a se fazer. Era difícil para ele enxergar onde um começava e o outro terminava.
Como padre, era seu dever ajudar Mariana, porém o fato de ser padre também exigia que ele se afastasse dela, depois do houve. Era o certo a se fazer, porém, seria certo abandoná-la a própria sorte, depois de tudo que ela havia passado? Paulo se perguntava.
De todas as pessoas no mundo que Mariana poderia encontrar, Deus a mandou para ele. Isso tinha que ter uma explicação, ele só não conseguia ver. Não ainda.
—Paulo!
Filho, você está aqui?
Paulo ouviu a voz de sua mãe ecoar pelas paredes do templo vazio, e se ergueu após fazer o sinal da cruz.
—Estou aqui minha mãe.
Ele disse, ao descer os degraus que separavam o altar do piso inferior.
—Desculpe se atrapalhei suas orações querido.
—Não atrapalhou mamãe. Eu já havia terminado.
Paulo suspirou ao ver o olhar ansioso da mãe, e ele sabia o motivo. Ele havia prometido que lhe apresentaria a Mariana naquele dia, e agora não via como faria isso. Paulo nem sabia como voltaria a olhar para Mariana, porém também tinha consciência de que teria que conversar com ela em algum momento.
—A senhora não quer passear pela cidade para conhecer o lugar? Eu preciso me preparar para a missa da tarde que acontecerá na praça aqui em frente.
Paulo fingia não ver a decepção no semblante da mãe, sabia que ela respeitaria suas obrigações naquele momento, porém ela não se daria por vencida tão fácil.
Madalena observava o filho com atenção, ela o conhecia como um livro aberto, era difícil esconder que algo o havia abalado.
—Então não será hoje que me apresentará a sua amiga? Mariana, não é?
—Mamãe, teremos muito tempo para isso, além do mais, tenho muito o que fazer aqui na igreja, e Mariana deve ter os afazeres dela. Talvez na festa eu possa apresentá-las, está bem?
Paulo disse se encaminhando para a sacristia com Madalena em seu encalço, porém a entrada de Angélica e Adele na igreja, os fez parar.
—A sua benção padre!
As duas disseram, assim que pararam diante dele.
—Deus as abençoe minhas filhas.
Paulo respondeu olhando-as com um sorriso amistoso.
—Em que posso ajudá-las?
—Estamos procurando a Mariana, ela não está aqui?
Adele perguntou dando uma olhada ao redor no que Angélica a acompanhou.
Paulo viu um sorriso irônico surgir no rosto da mãe que acompanhava a conversa ainda na porta da sacristia. Ficou nervoso com a situação, odiava não estar com sua consciência tranquila, e ter que ficar se policiando para não agir de forma comprometedora, e acabou fazendo uma pergunta da qual se arrependera logo que a proferiu.
—E de todos os lugares que poderiam procurá-la, vieram justo aqui?
Questionou, soando um pouco mais rude do que pretendia.
—Desculpe-nos padre. É que vocês estão sempre juntos, achamos que ela estaria aqui ajudando com alguma coisa.
Angélica quem respondeu, não entendendo por que o padre parecia aborrecido com elas.
Paulo respirou fundo e procurou se acalmar, afinal as garotas não tinham culpa de nada, e não era justo descontar nas duas as suas frustrações.
—Já procuraram na pousada?
—Foi o primeiro lugar que fomos, mas dona Amélia disse que ela saiu logo depois do senhor.
Paulo passou a mão pelo cabelo nervoso. Aquilo estava ficando cada vez melhor.
—Bom, talvez ela tenha ido ver o João, eu não sei meninas, hoje é dia de festa, ela pode estar passeando por aí.
Paulo disse tentando parecer indiferente, mas no fundo estava preocupado com o sumiço de Mariana.
—Ta bom padre. Vamos continuar procurando, ela tinha prometido ficar com a gente hoje.
—Isso, e quando a encontrarem... me avisem por favor.
As duas anuem concordando e seguem para fora da igreja, deixando um aperto no coração de Paulo. Ele não devia ter saído como saiu, a deixando sozinha. Devia ter ficado e conversado com ela como adultos que eram. Porém no momento, ele pensou no que pareceu ser o mais sensato a fazer.
—O que está acontecendo Paulo? Por que sinto que você está com problemas?
Venha, converse comigo filho.
Madalena estendeu a mão para ele que não viu alternativa senão seguir com a mãe para a sacristia, onde se sentaram de frente um para o outro.
Paulo permaneceu em silêncio, estava longe, e uma agitação incomoda começava a dominá-lo.
E se algo tiver acontecido a ela?
Ele nunca se perdoaria.
—A senhora acha que... Fiz uma escolha errada, ao me tornar padre?
A pergunta surpreendeu Madalena. Era a primeira vez que Paulo falava com ela sobre sua decisão. Ele sempre esteve tão convicto de sua vocação, que ela e o pai de Paulo, mesmo ficando perplexos com a decisão do filho, nunca o questionaram.
—Não sei dizer se... uma decisão errada filho. Mas... seu pai e eu, sempre acreditamos que sua decisão foi precipitada. Você... não conversou conosco, simplesmente iniciou no seminário, e depois... Roma, por cinco anos Paulo.
E quando retornou, já era padre.
Madalena segurou as mãos do filho junto as suas, percebendo que algo o perturbava seriamente.
Paulo não disse nada, apenas respirou pesadamente.
—Você nos deixou Paulo. Nossa família termina em você. Seu pai sempre teve esperança de que um dia... você fosse assumir a fazenda, se casar, ter filhos, que levariam o nome da nossa família adiante.
—Eu tenho um dom mãe, eu precisava usá-lo para o bem de outras pessoas. Não é possível que a senhora não veja a minha vocação.
—É claro que eu vejo, Paulo.
Você nasceu com esse dom querido. Sempre que você falava, as pessoas paravam para escutar, fosse explicando as regras de uma brincadeira com os coleguinhas da escola, ou ajudando os amigos da faculdade com as matérias. A verdade é que sempre que você se propõe a dizer algo, as pessoas o escutam.
—E eu não deveria fazer algo com isso?
—Sim, deveria. Claro que deveria, porém eu via você com as crianças, com os jovens, e sempre acreditei que você poderia fazer qualquer coisa filho. Você poderia ajudá-las fazendo qualquer coisa filho.
Você poderia ter se tornado professor, psicólogo, entrado para os médicos sem fronteiras, e... mais um monte de outras coisas.
—Mas e a minha fé mãe? E a minha missão de levar a palavra de Deus aos necessitados dela? Eu devia ignorar isso também?
Paulo se afastou da mãe indo até a janela, se sentia sufocado, sua cabeça estava girando como um redemoinho. Tudo estava fora do lugar.
—Filho, você quer mesmo ouvir o que eu penso?
—Diga mamãe.
Madalena se juntou ao filho na janela, e o abraçou de lado.
—Você não precisava ser padre para professar sua fé filho. Quantas pessoas você tem aqui na sua igreja, que o ajudam? Voluntários, ministros, catequistas e muitos outros.
Você poderia ser qualquer uma dessas coisas, mas você fez uma escolha. Estava convicto dela. Acredito que não ouviria nada que disséssemos. Mas agora, eu posso ver, eu posso sentir que algo, ou... alguém, está abalando a sua convicção.
Paulo se virou para a mãe, e ela teve certeza do que dizia.
—Como isso é possível mãe? Eu sou padre a sete anos, nunca tive dúvidas, nunca sequer pensei que eu poderia ter escolhido qualquer outra coisa na vida.
Como alguém que conheci á alguns dias, pode ter mexido com todas as minhas certezas construídas em anos mãe?
Madalena sorriu ao filho, tocando seu rosto aflito com delicadeza.
—Amor, filho.
Não desejo, ou paixão, nem mesmo a luxúria. Mas amor.
O amor acontece quando duas almas se encontram e se conectam.
Você pode amar alguém pela paz que ela lhe dá, ou pelo tormento que ela provoca.
E vendo o seu estado... bem, acho que você entendeu.Imagens meramente ilustrativas
Texto ainda sem correçãoMúsica tema do Capítulo
Mentira- João Pedro Pais
Essa música diz muito dos sentimentos de Paulo nesse momento.😥
Beijinhos, espero que gostem do capítulo, não esqueçam de votar e comentar 😉
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Tentação
RomanceMariana perdeu tudo que amava na vida. Ela só encontrou dor por onde passou. Mesmo sendo ainda tão jovem, ela já não tem perspectivas de futuro. Em seu íntimo ela já desistiu. Descrente de que haja um Deus no céu, pois ela não acredita que um Deus...