VINNIE HACKER
📌 aldeias das marés
A primeira vez em que a vi, ela estava usando um guarda-chuva vermelho. O tom era forte... alizarina. As cores sempre foram importantes para mim, porque era por meio delas que eu conseguia me comunicar.
Falavam do meu humor e das minhas emoções de um jeito como minha voz nunca pôde.
Por isso, enquanto estiverem lendo a minha história, tenham em mente que eu vejo o mundo e o compreendo por meio delas. Por meio das diferentes nuances da paleta criada por Deus, as matizes perfeitas da natureza. Mas voltando ao guarda-chuva vermelho... Ele era daqueles grandes, com uma ponta afiada preta. Ela o havia pousado em um dos ombros e tudo o que eu enxergava eram pernas e pés descalços na areia. Era uma confusão de contrastes. Toda a paisagem era puro caos, e, de alguma forma, eu senti que havia algo de peculiar naquela pessoa.
Porque não estava chovendo. E não havia um sol escaldante no céu. Era entardecer. Não havia motivos para alguém estar segurando aquele objeto. Jurei que não havia sentido na sua escolha até ela começar a dançar. Havia duas outras mulheres ao seu lado, e as três gargalharam juntas quando a moça fez uma imitação precária de frevo, pulando e cruzando as pernas, jogando as mãos para o ar, um pouco sem ritmo.
O guarda-chuva escapou de sua mão, e um vento sudoeste chegou, empurrando-o um pouco para mais perto da minha casa, fazendo-a correr na direção de onde eu observava da janela do sótão. Uma caneca de café esfriava na minha mão, mas isso não me importou, porque covinhas profundas se desenharam em um rosto adorável, emoldurado por cabelos castanhos. Não exatamente castanhos... o tom era andaluz.
O contraste do marrom com mechas douradas, que eu não sabia se eram naturais ou feitas no salão. Não importava. Combinavam com ela. O que me surpreendeu foram os olhos azuis. Eles eram enormes. E intrigantes, porque, daquela distância, eu não conseguia precisar seu tom. Só isso já seria um enorme desafio. Se eu fosse pintá-la ou desenhá-la, precisaria misturar algumas tintas para encontrar a cor perfeita.
A garota usava uma blusa amarela e um short lilás. Ela era uma confusão de cores. Era como um mosaico indefinido, uma pintura em aquarela. Havia uma inocência em seu sorriso, mas algo de provocador também, como se não fossem apenas as cores que ela usava e que a pintavam que a tornavam um conjunto de contradições fascinantes. Assim que pegou o guarda-chuva, ela voltou correndo para perto de suas amigas, e eu pude ver que gargalhava.
Era uma pena que eu não conseguisse ouvi-la...
Assim como não podia ouvir o som das ondas atrás dela, que lhe serviam de paisagem. Algo me fez cócegas em uma das pernas, e, instintivamente, eu estiquei a mão para baixo, tocando o pelo macio de Van Gogh, meu Golden Retriver de apenas um ano de idade. Ele tinha muita energia, e eu sabia que estava louco para sair e rolar na areia e se esbaldar no mar, que era o que fazíamos todos os dias.
Só que daquela vez fiz um sinal para ele, pedindo que esperasse. Obedientemente meu amigo se sentou, compreendendo, por meio de sinais – assim como eu também fazia para me comunicar –, ficando com a enorme língua de fora, cheio de energia acumulada.
Fiz um carinho em sua cabeça e observei a garota misteriosa se afastar, com suas amigas, rindo e jogando a cabeça para trás, sem nem perceber o mundo ao redor. Sem perceber que alguém a observava e que fixava sua imagem na mente. Como eu iria saber, àquela altura, que tantas coisas ainda aconteceriam e que aquela mulher voltaria para a minha vida mais de uma vez, em circunstâncias distintas?
Como eu iria saber que o outro homem que a observava, silencioso e ao longe, parecendo também admirá-la, não o fazia como eu, que estava apenas no lugar certo, na hora certa, a tempo de ver uma garota bonita cheia de luz para iluminar suas horas solitárias e vazias de um amanhecer aleatório. Como eu iria saber que aquele homem seria, de alguma forma, o responsável por nos separar e nos unir, em épocas diferentes, em vidas diferentes, praticamente pintados em tons contrastantes.
A menina das cores vibrantes se encheu de cinza, e aquele ali foi o começo da história.
Como eu iria saber?
- bia
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𝐓𝐇𝐄 𝐇𝐎𝐔𝐒𝐄 𝐍𝐄𝐗𝐓 𝐃𝐎𝐎𝐑
Fanfiction𝐯𝐢𝐧𝐧𝐢𝐞 𝐡𝐚𝐜𝐤𝐞𝐫 é um homem com deficiência auditiva. 𝐋𝐢𝐯𝐢𝐚 é uma mulher amarga, insegura e com um segredo obscuro.