LIVIA BILLY
📌 aldeias das marés
NOVE ANOS DEPOIS
A forma como eu olhava pelo espelho retrovisor fazia parecer como se tivesse uma enorme fixação pelo terço que balançava, pendurado ali. Eu poderia ter tirado, aliás, uma vez que o carro não era meu, já que por muito tempo contestei a existência de Deus. Mas se aquilo que estava acontecendo, a oportunidade que recebemos, não era um milagre, eu não sabia mais o que poderia ser.
Ninguém estava me perseguindo. Eu sabia disso. A explicação foi boa o suficiente, e o fato de estarmos levando todos os nossos pertences nas malas que guardamos no bagageiro passou despercebido, como muitas outras coisas que as pessoas que nos rondavam decidiam ignorar todos os dias. Apesar de saber de tudo isso, olhei pela milésima vez, desde que saímos do Rio, pegando a estrada para Aldeia das Marés, vendo meus olhos refletidos. Eles tinham um tom de azul acinzentado, que eu costumava gostar muito quando era mais nova – quando esse tipo de coisa fazia alguma diferença –, e quando as olheiras profundas que passaram a sustentar não faziam parte dos traços do meu rosto.
Mas eu até que gostava delas. Já tive marcas piores, se fosse fazer uma comparação bem otimista.
Dei uma olhada em Cauê, no banco de trás, jogando algo no meu celular, sem tirar os olhinhos da tela. Como mãe, eu me sentia péssima em permitir que ele passasse tanto tempo preso em tecnologia, mas como poderia ter coragem de lhe negar qualquer coisa?
— Filho, tudo bem aí? — perguntei, só para garantir, e fiquei olhando para ele pelo tal retrovisor. Sem um único sorriso no rosto, ele fez um sinal de positivo.
Rapidamente voltou o olhar para o aparelho que tinha em mãos, mas continuei observando-o. Não era assim que uma criança deveria se comportar. Não fora isso que desejei para o meu garotinho quando o peguei nos braços pela primeira vez, amando-o loucamente só por ele existir. Por mais que as circunstâncias de seu nascimento tivessem sido tão conturbadas, ele foi uma dádiva. A maior compensação, que sempre me fazia me arrepender quando ousava sonhar que pudesse voltar ao passado para tomar decisões diferentes.
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𝐓𝐇𝐄 𝐇𝐎𝐔𝐒𝐄 𝐍𝐄𝐗𝐓 𝐃𝐎𝐎𝐑
Fanfiction𝐯𝐢𝐧𝐧𝐢𝐞 𝐡𝐚𝐜𝐤𝐞𝐫 é um homem com deficiência auditiva. 𝐋𝐢𝐯𝐢𝐚 é uma mulher amarga, insegura e com um segredo obscuro.