LIVIA BILLY
📌 aldeias das marés
Eu não poderia ser hipócrita e me iludir de que nada mais me preocupava, de que a vida era linda e que eu somente via o amor à minha frente. Ou que meus dias eram feitos das cores que vinnie pintava ou de pores do sol mágicos, crianças felizes, cachorros babões, sons e cheiro do mar... Não, não era bem assim.
O silêncio de Rosângela me assustava mais do que se estivesse me ligando e me importunando todos os dias. Se gritasse, esperneasse e começasse com suas ameaças eu ficaria menos assustada. A impressão que eu tinha era que estava tramando algo, especialmente com Júlio acordado. Aliás, eu não sabia absolutamente nada sobre ele. Não sabia como estava, se seu quadro vinha melhorando, se já falava, se voltara a andar. Fazia meses desde a notícia de seu despertar, mas era tudo o que eu sabia.
Eu estava pouco me lixando para ele. Por mim, poderia apodrecer no inferno que eu não sentiria a menor pena. Um lado muito cruel da minha parte desejava que sofresse, que sentisse muita dor, que tivesse sequelas que o fariam repensar na vida e em todas as coisas horríveis que fez. Então eu pedia perdão a Deus e acreditava que o melhor que poderia fazer era desejar que me deixasse em paz. Que assinasse o divórcio no momento certo, para que eu pudesse viver minha vida com vinnie e com o meu filho. Só que eu sabia que Cauê era seu único herdeiro.
Dependendo de quais sequelas ficassem do acidente, ele poderia não ser pai novamente. Ou mesmo que fosse, meu garotinho sempre seria seu primogênito legítimo. Eu odiava pensar nisso. Odiava pensar que meu filho receberia aquele dinheiro, um dia, que vinha manchado de tanta maldade e egoísmo. Se pudesse, e Cauê concordasse, eu gostaria de abdicar de tudo aquilo para que vivêssemos nossa vidinha pacata, no lugar que amávamos, com as pessoas que se tornaram nossa família. Um suave aperto no meu braço me salvou dos meus pensamentos. Vinnie estava ao meu lado, assistindo a um filme, enquanto Cauê e Van Gogh dormiam praticamente abraçados aos nossos pés, sobre o tapete colorido da sala.
Vincent era sempre o meu herói sem nem saber. Se bem que... eu poderia jurar que ele tinha uma leve noção disso. Sempre que me perdia em pensamentos negativos, que alguma memória dolorosa ameaçava a minha paz – nossa paz, já que ele sempre era solidário com meus tormentos –, parecia adivinhar e me tirar da zona obscura. Cauê vinha sendo acompanhado pela terapeuta da escola, mas vinnie sempre insistia para que eu fizesse o mesmo; que buscasse alguém para me ajudar a controlar minhas emoções; alguém imparcial com quem eu pudesse desabafar.
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𝐓𝐇𝐄 𝐇𝐎𝐔𝐒𝐄 𝐍𝐄𝐗𝐓 𝐃𝐎𝐎𝐑
Fanfiction𝐯𝐢𝐧𝐧𝐢𝐞 𝐡𝐚𝐜𝐤𝐞𝐫 é um homem com deficiência auditiva. 𝐋𝐢𝐯𝐢𝐚 é uma mulher amarga, insegura e com um segredo obscuro.