Fragilidade

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Paola Kendrick Jackson
Rancho Neverland, Los Olivos
17 de novembro de 1993, 23:17

 Às vezes sinto uma vontade enorme de correr, como se fosse uma necessidade. Correr muito. Até meus pés perderem as solas. Até não sobrar nada além de uma dor aguda e agoniante, como já aconteceu.

 Neverland é um lugar enorme e com muito espaço para correr. Uma vez, após uma briga séria com Michael, eu corri da casa até o final do rancho, nas montanhas.

 Parei apenas quando caí desprezada ao chão. Assim que caí. Tudo que estava dormente, veio à tona. Uma dor que nunca esquecerei. Meus pés estavam sangrando, minha boca estava caindo sangue, assim como meus pés porque caí de cara no chão.

 Era fim de tarde, o sol estava se pondo. Droga. Aposto que o sol estava se pondo de vergonha do meu descontrole. Fez bem ele, nem eu queria me ver naquele momento.

 Me sentei no chão e fiquei ali por alguns minutos no meio do nada. De lá, não se via nem a casa. Nada. Era apenas eu e um puro vazio que ficava ainda maior conforme o vento passava pelo meu rosto. Me deitei ali no chão, com meu sangue misturado com baba e claro, um dente de baixo que perdi com a queda tão brusca e violenta.

 Malditos pés traidores, eu pensei na época. Hoje penso coitados dos meus pés, se eles não me parassem, só Deus sabe onde eu estaria agora. Não que eu seja uma baita corredora e que eu fosse muito mais longe, é que alguns passos mais à frente na linha reta de onde eu estava tinha um despenhadeiro.

 A noite não demorou a chegar. Eu estava em um meio-termo. Meio acordada e meio distante, apenas encarando as estrelas através de um monte de árvores. Quando começo a correr desesperadamente é como se eu estivesse fora de mim. Não ouço nada, não controlo nada.

 Depois de muitas horas ali parada, finalmente voltei a mim. Me sentei no chão e comecei a chorar porque a dor estava insuportável. Ao longe entre as árvores havia luzes... Lanternas. Era sem dúvida Michael e muitos seguranças. Por poucos segundos escutei sua voz gritar desesperado por mim. Ele estava tão preocupado.

 Eu simplesmente estava no ponto mais alto e isolado. Tentei gritar por ele, mas a minha boca estava doendo muito. Mais tarde descobri que meu maxilar havia quebrado na queda.

 Quando as luzes das lanternas chegaram bem perto, eu tirei forças de onde nem tinha e me levantei. Meu pé estava doendo tanto. Meu corpo estava esgotado pela corrida e meus pés, coitados dos meus pés.

 Ignorei a dor o máximo que pude e andei rapidamente em direção as lanternas que só se afastavam. A dor estava tão insuportável, caí novamente. O som do meu corpo caindo no chão chamou a atenção de todos. Em questão de segundos havia luzes de lanternas em meu rosto e então, Michael com seu rostinho molhado pelas lágrimas e seus olhos avermelhados.

  Michael me olhou com uma feição apavorada. Meu rosto estava bem feio e meu queixo, bem, estava um pouco para o lado e o sangue seco também não ajudou muito.

 Michael me pegou em seus braços e me carregou até o carro. Após uns quinze dias recebendo tratamento de rainha em um dos melhores hospitais do país, decidi criar meu próprio. Assim surgiu os Hospitais Kendrick em toda a parte do mundo.

 Mesmo tendo meu próprio hospital, continuei trabalhando no hospital de Mariangel. Me sentia bem lá. Era meu lar. Lar que deixei para começar finalmente a construir minha família. Pensei que minha vida finalmente iria começar assim que eu cruzasse aquelas portas, mas, não foi bem assim.

 Passei por tantas coisas em tão poucos anos. Pensei que a paz finalmente chegaria. Bem, agora tenho paz, mas, para chegar a isso, eu precisei passar por tanta humilhação. Foi sem dúvida os piores meses da minha vida. Em um momento pensei que perderia a batalha, mas, venci. Nós vencemos.

 — Droga! — esbravejo ao cair de cara na grama gelada. Pelo menos foi na grama e o sol não está aqui para se esconder de vergonha. Me sento e tento recuperar minha respiração. A noite está bem fria e o vento forte. Michael desce do carro e corre para mim. Senti uma tontura repentina assim que coloquei meus pés no chão. Eu devia ter almoçado e jantado.

 — Deus! — fala ao se aproximar — Você está bem? — pergunta todo apavorado — Se machucou minha rainha? — respira profundamente, o pânico está estampado em sua cara.

 — Estou sim, meu amor, foi apenas uma tontura! — tento me levantar, mas, tudo volta a rodar. Me sento de novo e olho fixamente para a grama.

 — Vem, eu levo você pra casa! — ele antes de eu falar qualquer coisa me tira do chão e me leva para dentro da casa.

 — Posso me acostumar com isso — fecho meus olhos e apoio minha cabeça em seu peito enquanto ele sobe as escadas comigo em seu colo. Ele ri do meu comentário. É tão gostoso escutar a risada dele com o ouvido colado em seu peito.

 — Chegamos — fala ao empurrar uma das portas duplas com o pé direito. Entramos. Ele me leva até a cama e me deita no lençol caríssimo que compramos na nossa última viagem para Paris. Ele é uma delícia de macio.

 — Amo tanto essa cama — falo entre suspiros. Assim que deitei senti um alívio enorme.

 — Vou ligar para um médico, não é normal, você nunca fica doente! — ele fala indo até o telefone em passos rápidos.

 — Não precisa, meu amor, já me sinto bem! — faço beicinho para ele.

 — Bem? Paola, você caiu de cara no chão, isso não é normal! — pega o telefone e leva até a orelha.

 — Amor, é que eu não jantei e nem almocei hoje, é comum sentir esse tipo de coisa! Palavra médica! — abro um sorriso amarelo para ele, que está fazendo uma cara furiosa. Ele bate o telefone e anda firmemente até a porta — Onde você vai? — pergunto em um tom melancólico para ele.

 — Cozinhar alguma coisa pra você comer! — Michael fala firmemente — ONDE JÁ SE VIU? PULAR TODAS AS REFEIÇÕES! — quase grita ao bater a porta. Sua revolta me deixa com um calorzinho no coração.

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