Uma nova companhia

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Pelo menos, na hora que eu saí, ele já estava melhor. Acabou pedindo para um outro encarregado ficar no seu lugar, mas ainda assim fui ao serviço, e ainda bem que fui.

Quase não consigo chegar na hora hoje, e quando chego, ela já está lá. Meu rosto está molhado de suor, e olha que tomei banho antes de vir. Enrolo as mangas da camiseta e me procuro meu lugar vago habitual.

Já ela está rabiscando, séria, no caderno, usando uma camisa preta longa que só deixa seus dedos que seguram a caneta pra fora. Suas unhas curtas também são pintadas na mesma cor, e seus pés balançam na cadeira vaga na frente.

- Boa tarde - digo ao me sentar do seu lado, e ela levanta o olhar. Sua feição séria logo é tomada por uma mais amigável, além de um breve aceno.

Ela ajeita a postura e pega a mochila que está no chão, e dela puxa uma pasta marrom com um material que parece couro.

- Aqui, trouxe os desenhos.

Passo as mãos devagar sobre a capa e abro para analisar o conteúdo. Não entendo nada disso, mas tudo parece tão bonito que só continuo. A maioria são desenho de pessoas. Mulheres, homens, adultos, crianças, um e outros animais, paisagens, todos feitos com caneta preta ou com algo parecido com tinta preta, espalhado.

- Nossa - digo espantada, tocando-os com as pontas do dedo enquanto viro cada página - são todos lindos. Você é tipo o Picasso?

- Eu, Picasso? - ela dá uma risada que mostra seus dentes, coisa que ela pouco faz - Quem dera.

- Eu mal consigo desenhar uma casinha - paro em um desenho que parece com ela - é você?

- Não, é minha mãe.

Depois os desenhos começam a ser alguns rabiscos de tinta aglomerada. Deve ter algum motivo, mas não consigo compreender o que seja, então os devolvo.

- É tudo muito lindo - digo animada - você é uma artista incrível. Deus te abençoou com muito talento, Hǎi yún.

Ela ri envergonhada, colocando as mãos contra as pernas, negando com a cabeça. Suas bochechas ficam levemente coradas. Será que falei alguma coisa errada?

- Obrigada - Hǎi yún arruma os óculos pesados em seu rosto, colocando o cabelo que cai insistente em seu rosto para trás.

- Digo isso porque a única coisa que ainda me dou bem é com conta - arqueio as sobrancelhas, me voltando pra ela - Jamais faria um terço do que você faz.

- Nossa, eu odeio matemática - Hǎi yún faz uma careta - Não levo o mínimo de jeito com contas. Como consegue gostar disso?

- É questão de afinidade - respondo sorrindo.

- Você vai fazer o quê? - ela diz guardando a pasta - Engenharia?

- Matemática - sua cara fica ainda mais descontente, como se dissesse uma ofensa.

- Pra ser professora? - digo que sim - Por quê?

- É uma profissão bonita, não acha? - apoio meu braço direito na cadeira, para em seguida apoiar minha cabeça, para encara-lá.

- Não é uma das mais valorizadas...

-- Mas todos nós precisamos de alguém para nos ensinar as coisas - digo com um pouco mais de animação, o que a faz ficar com seu sorriso acanhado - Ah, você não concorda?

- Não, o que está dizendo é verdade, mas é que minha mãe é e vejo o quanto ela pena...

- Sério? - Hǎi yún assente que sim - Ela dá aula de quê?

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora