Flores em dezembro

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Não foi fácil tomar essa decisão, mas, com o apoio dos meus pais, me senti mais confortável pra pedir o afastamento do meu trabalho pra poder me dedicar exclusivamente na reta final dos meus estudos, e realmente, isso me ajudou muito. Acordo cedo pra ajudar em casa, vou pra aula e passo maior parte do dia na frente dos livros, resolvendo questões, estudando.

A prova já está chegando. Olho para uma das revisões e tiro dúvida com minha colega do lado, resolvendo a apostila do dia até a hora da saída. Desde então, Luiza não falou mais comigo, e também não tive nem tempo pra poder me preocupar com isso.

Quando chego na saída, uma mão me toca. É ela.

- Podemos conversar? - diz ela em um tom brando, e dou com os ombros como resposta. Nos afastamos dos demais, e ela encara o chão.

Exaspera baixo, e olho para trás, vendo as pessoas saindo da escola, seguindo cada um seu rumo.

- Judite contou o que rolou com a Hǎi yún - ela começa a falar - e também que você tinha passado por uma barra esses tempos. Sinto muito.

Olho sem expressar nada a ela. Na verdade, nem precisávamos ter essa conversa.

-Eu sei que você tem todos os motivos do mundo pra não falar mais comigo, mas... - ela encara o chão mais uma vez antes de me olhar - Espero que um dia você me desculpe. Tô falando sério.

- Tá tudo bem, Luiza, só...

- Não está - ela faz uma cara ainda mais tortuosa - me senti mal pra caralho depois de ter dito aquelas coisas pra vocês, mas fiquei com vergonha de falar. Depois que soube... - e pressiona os lábios, negando com a cabeça - Melhoras pra Hǎi yún, tá?

Assinto, e ela acena dando tchau, mas logo volta, já falando.

- Sei que depois da prova é provável não nos vermos mais, então... - ela tenta sorrir - Foi legal te conhecer. Te desejo tudo de bom.

- Também desejo o melhor a você - digo por fim.

Luiza não diz mais nada. Só concorda consigo e dá as costas novamente, sumindo no meio da multidão.

É uma conversa com um tom amargo. Ainda estou magoada com tudo aquilo, mas não desejo o pior a ela e nunca desejarei, só que... É difícil depois de tudo que aconteceu. Ainda assim, falo com sinceridade que quero o melhor a ela, e que os bons momentos me darão saudades, com certeza

E... É estranho ver que, daqui a alguns dias, se tudo der certo, em vez de vir pra cá, estarei indo pra universidade. Outras aulas, outras pessoas, outras coisas a serem vistas... Empolga ao mesmo tempo que assusta.

Mas, agora, tenho que ir a outro lugar. Pego minha bicicleta e vou pro endereço que tão bem conheço, só que, dessa vez, quem me recepciona é aquela figura de cabelo bagunçado e um cigarro na boca, sorridente indo abrir o portão.

- Hǎi yún, sua querida esposa chegou - diz ela alto, já me abraçando - e aí?

Sorrio envergonhada, e vou entrando. Lá está ela no sofá, e a abraço com firmeza, beijando seu rosto, mas ela não se contenta só com isso, e me puxa para tocar meus lábios com o seu, fazendo com que sua amiga deixe um barulho sugestivo sair.

Quando fazemos algo pelo outro, não esperamos nada em troca, muito menos quando se trata de alguém que amamos, mas nunca esperaria a comoção das pessoas próximas a Hǎi yún sobre mim e minha família. Sua mãe fez questão de que meu pai seja tratado no melhor hospital daqui, tudo por sua conta, além de ter tentado nos ajudar financeiramente, o qual negamos, e ainda assim ela continua insistindo.

Já Judite falou com sua irmã e começou a mexer na papelada com o que pode ser feito no caso do meu pai, mesmo que não tenha entrado no assunto. Dizendo ela que não é nada, e que ficará feliz em ver que pode nos ajudar de alguma forma.

Não pedimos por isso, mas, ainda assim, me sinto agraciada. Melhor que isso é só ver ela melhor e, se Deus quiser, minha vaga na universidade em breve. Mas, só de ver as pessoas que amo bem e as coisas se desenrolando, mesmo que aos poucos, eu vejo o quanto sou abençoada e feliz.

Sento ao seu lado, e ela entrelaça a mão na minha.

- Nervosa pra prova, Amanda? - pergunta Judite, sentando no outro lado. Faço a menção de mais ou menos, e ela ri - Não te preocupa, do jeito que você é inteligente, já está dentro.

- Deus te ouça - respondo timidamente, e ela aponta pra Hǎi yún.

- E ano que vem será nossa artista, não é, senhorita Wang? - ela revira os olhos, balançando a cabeça de um lado pra outro.

- Só quero ter no que pensar agora - e aponta pra televisão - e agora quero ver esse curta que você finalmente terminou.

- Às suas ordens - Judite se levanta e vai até o aparelho. Hǎi yún toca os lábios no meu rosto e sussurra alguma coisa que não entendo.

As coisas são diferentes, mas, ainda assim, parece que nada mudou. Não sou a mesma pessoa de antes, e provavelmente lá pra frente não terei mais nada a ver com o que sou agora, mas, ainda assim, quero que ela esteja ao meu lado em tudo isso.

Apesar de todas as provações, eu me sinto abençoada. Tenho certeza de que, daqui pra frente, tudo será ainda melhor. Pelo menos é no que acredito.

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora