Que Deus te abençoe

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Pelo menos hoje consegui chegar na hora. Entro na sala procurando pelo lugar que sentei anteriormente. Reconheci o material da Luiza, a cadeira vaga e outro material ao lado do dela. Um caderno com um estojo jeans em cima, assim como uma mochila preta. Sento no lugar vago e espero.

As pessoas vão chegando aos poucos, e uma delas passa por mim. Cabelo liso jogado no rosto, toda de preto, óculos grossos e olhar baixo. Ela não levanta a cabeça e passa apressada, se sentando onde está a mochila preta.

Será que é a garota de ontem?

Olho devagar, de canto de olho, para que ela não perceba minha esquisitice mais uma vez de ficar olhando sem motivo. É, é ela mesmo. Os óculos de lentes grossas, o que não tinha visto é o piercing no lábio inferior e as correntes na calça. Quando olho melhor...

Ela é japonesa? Asiática? Não, não sei, e acho que tenho que parar de ficar olhando pra ela, porque sinto que mesmo de cabeça baixa ela está olhando pra mim.

Luiza chega em seguida com um sorriso receptivo no rosto, acenando para mim assim que senta do meu lado.

— Olha quem chegou! Boa tarde, Amanda! – disse Luiza, esticando um pouco o corpo para olhar para meu lado esquerdo – ah, boa tarde pra você, Hǎi yún.

Ela chamou a menina do quê?

Só sei que ela está de fones de ouvido com um som tão alto que dá pra ouvir de onde estou. Ela levanta o olhar de desaprovação entre as sobrancelhas cerradas na direção de Luiza por alguns segundos e volta a olhar para o caderno aberto.

— Ah, tão querida como sempre... – Luiza revira os olhos se volta pra mim, me olhando da cabeça aos pés, fazendo uma cara de curiosidade.

— O quê? – olho ao redor, mas ela toca no meu braço - Estou suja de alguma coisa?

— Eu continuo impressionada em como seu braço é definido... Deve vir pra cá direto da academia, né?

— Ah, não - nego com um breve aceno - é do trabalho.

— E você trabalha com o quê? Carregando um saco de cimento? – ela diz em um tom irônico, mas assinto que sim.

-— É, quando tem eu tenho que puxar mesmo - rio tentado esconder a timidez que tenta me travar.

— Tá de zoeira, né? – nego e ela me encara surpresa – Sério? Não, você não tá falando sério. Para de graça, Amanda.

— Estou falando a verdade - levanto a mão em um juramento - juro por Deus.

— Mentira! Como isso? – ela arqueia uma das sobrancelhas, e me volto a falar.

— Meu pai é mestre de obras, e sou encarregada dele... Tipo um braço direito, sabe?

— Ainda estou desacreditada, olha – ela diz ainda admirada olhando para mim – Você gosta disso?

— Bom... – dou com as mãos para o ar – É o que ajuda dentro de casa, não tenho do que reclamar.

— Então você paga aqui com o dinheiro do seu trabalho?

— Não, eu...- pigarreio de leve - Sou bolsista.

— Bolsista? – ela levanta as sobrancelhas – Não sabia que tinha bolsa pro pré-vestibular. Como foi isso?

— O diácono que me avisou que tinha aberto outras vagas - apoio os cotovelos na mesa - o amigo do filho dele tinha feito a prova antes, aí me arrisquei de fazer a prova e fui agraciada por ter passado.

— Tá, mas o que é um diácono?

O ruído do meu lado chama atenção mais uma vez. Olho de soslaio, e Luiza percebe, rindo.

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora