Você a conhece?

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— Não estou entendendo porra nenhum disso aqui – Luiza reclama enquanto resolvemos uma equação de segundo grau. Ela fala tantos palavrões em uma frase que me pergunto se na casa dela também é assim – Amanda – ela gesticula a caneta de pompom na minha direção – me socorre, por favor.

Explico o que sei e inicio uma questão para ela, mas não termina, voltando a grunhir mais uma vez. Olho de um lado para o outro. Não a encontro.

— Procurando a Made in China? – Luiza diz com desdém – Não acho que ela venha hoje.

Não respondo a esse comentário, e ela pressiona os lábios, possivelmente ignorando o que foi dito. A todo tempo ela tenta comentar alguma coisa sobre Hǎi yún, mas desconverso, mesmo que isso a deixe impaciente e vire a cara uma ou outra vez.

A aula termina um período mais cedo, e aproveito para ir até o centro para comprar o remédio do papai, até porque vi o preço na hora que estava vindo e lá está mais em conta. Deixo Luiza na parada e sigo de bicicleta. Tranco–a perto da praça central, e caminho até lá.

Quando saio da farmácia com o papel pardo em mãos, passo por um supermercado de esquina, olhando pela vitrine e...

Volto. É Hǎi yún, que está com o olhar baixo para a prateleira, mas logo nota que a olho de volta. Suas bochechas estão brevemente vermelhas, e ela acena para mim. Aceno de volta.

Será que entro? Ou só dou oi e sigo meu caminho? Fico parada sem saber o que fazer, mas logo ela decide por mim: acaba vindo ao meu encontro. Ela usa uma camisa grande verde escuro camuflada por cima de uma de suas camisetas pretas habituais. O cabelo preso, e os lábios levemente arroxeados.

— Amanda – ela diz em um tom mais animado do que o comum – está perdida?

— Não, é que saímos mais cedo e vim comprar uns remédios pro meu pai... – digo mostrando o que tem em minhas mãos, e sua feição fica triste.

— Ele está doente? – suas sobrancelhas se juntam, encarnado minhas mãos.

— Mais ou menos... – faço o gesto com as mãos – mas, se Deus quiser, ele vai ficar bom logo.

— Estimo melhoras a ele – Hǎi yún coloca a mão contra o peito. Isso soou muito genuíno de um jeito que me deixou reconfortada.

— E... – Levo o indicador em direção a seus lábios – O que foi isso?

— Ah... – ela leva os dedos até a boca, esfregando devagar até sair parte daquela cor – Isso? É vinho, desci pra comprar mais.

E me mostra a sacola com as duas garrafas de plástico dentro.

— Estou na casa de uma amiga que mora aqui nos altos – ela aponta para a outra esquina – Não está a fim de ir?

— Ah, não, não – nego gesticulando com as mãos –obrigada, eu não bebo, mas... Posso te deixar lá na porta.

Ela assente que sim e destranco minha bicicleta, mas gesticula para que eu pare um instante.

— Se não vai subir, podemos papear um pouco aqui? Ou está sem tempo mesmo?

— Ah... - pressiono os lábios - não, posso dar um tempo sim.

— Como foi lá hoje? – diz ela se pretensão, apenas cruzando os braços enquanto paramos na frente do portão do prédio.

— Ah, o de sempre. Aula, exercícios... – digo de relance – E você? Só curtindo o vinho?

— Qualquer coisa que me tire dessa realidade... – ela dá um sorriso irônico, contido segurando a sacola – Desculpe.

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora