Entrelinhas compartilhadas

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Tem coisas que, com o passar do tempo, ficam mais difíceis de disfarçar. Meus sentimentos são um deles. Tudo me faz gostar ainda mais dela, inclusive seus pequenos gestos. Quando seus dedos roçam no meu quase inconsciente , sinto meu estômago formigar. Ao nos abraçarmos, esse formigamento se torna uma euforia interna e quando ela me beija... É praticamente impossível esconder os efeitos disso sobre mim.

Toda noite, antes de dormir, peço para que iluminem meu caminho, assim como, em todas minhas preces, peço para que o Senhor Jesus abençoe Hǎi yún e toda sua família. Que interceda nesse momento que ela passa e que logo essa provação passe e se torne apenas uma lembrança.

Ouvi seu CD por tantas vezes que até meu pai já decorou uma e outra porque já o vi cantarolando, mas não mais das incontáveis vezes que reli suas anotações.

Como eu me sentiria ao saber que ela gosta de mim? Feliz, assim como fico alegre em saber que ela confia em mim para os melhores e piores momentos, mesmo que não queira. Entendo quando quer dizer que não gosta de compartilhar os problemas para não incomodar as pessoas próximas, mas se ela precisar de ajuda, quero que fique bem claro que tem alguém ao seu lado.

Também sinto esse frio na barriga toda vez que me aproximo da escola, como agora, mesmo que ela não esteja vindo. Sei que ela odeia esse lugar, mas sinto falta de sua presença.

Enquanto bato cabeça com uma questão, sinto o toque da mão de alguém chamando minha atenção. Não conheço essa mulher, mas pela roupa, deduzo que seja da coordenação.

- Amanda Silva? - ela sussurra em minha direção e concordo que sim - Você poderia me acompanhar, por favor?

Olhares curiosos me seguem, assim como de Luiza, mas ela nada faz além de virar para a frente de novo. Não tenho outra ação a não ser seguir a mulher e tentar não pensar no pior. Ao chegar na fria sala, o senhor gesticula para que me sente na cadeira esquerda vazia à sua frente e, assim que me sento, o mesmo começa a mexer em uma pasta azul, puxando um e outro papel dela enquanto analisa o que está na sua mão. Para por um instante o que está fazendo e volta a atenção pra mim.

- Boa tarde, senhorita Amanda - o diretor é um senhor que aparenta ter a idade do meu pai - sabe por que está aqui?

Nego veemente, e ele volta a mexer nos papéis dispostos na mesa.

- Há uns dias atrás - ele pega um papel na mesa, com o olhar baixo fixo nele - a senhorita Hǎi yún Wang, da turma A do cursinho, teve um desentendimento com a Luiza Almeida, colega de turma. As duas já foram chamadas e ouvidas para saber da suas partes perante ao Conselho, e...

Ele deixa o papel de lado, e me olha compenetrado.

- O que tem a dizer sobre isso?

- Em relação a que exatamente, senhor?

- Da motivação da briga - ele vota a olhar pros papéis - visto que você, mesmo não estando envolvida, estava junto a elas.

- Bem, senhor diretor... A Luiza xingou a Hǎi yún - respondo abaixando a cabeça, com as mãos entre os joelhos - Não é certo bater em ninguém, mas ela falou coisas bem... Ofensivas sobre a origem dele, essas coisas...

O diretor rabisca o papel à sua frente por um tempo até colocar a caneta do lado, apoiar os cotovelos na mesa e entrelaçar os dedos.

- A colega de turma de vocês alega que estão tendo um relacionamento... - ele cerra as sobrancelhas - amoroso nas dependências da escola. Você confirma isso?

Nego mais uma vez, sem dizer nada. Não estou mentindo. Nunca fizemos nada aqui. Mal toco a mão de Hǎi yún quando ela lembra que estuda e vem pra cá.

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora